Wednesday, August 13, 2008
NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR
Parte 15ª e a final
Para que a história da vida de Manuel Tavares Bocarro fique completa não bastou pesquisar velhos arquivos mas, para se chegar a uma conclusão mais correcta não foram encontrados documentos inéditos. Será necessário, também, conhecer a sua obra, estudá-la sob os aspectos técnicos e artísticos e, ainda, saber que destino tiveram os seus canhões, sinos e âncoras - quais os que foram destruídos pelo tempo e pelos homens, quais os que chegaram aos nossos dias e quais os que jazem ignorados nas ruínas de algumas fortalezas de outrora ou nos seculares destroços de velhas naus e galeões. Possivelmente nunca será conhecida! Manuel Bocarro, embora, a sua obra tenha sido meritória e tenha contribuído para a defesa dos pedaços de territórios que Portugal controlava, na Ásia os homens que governavam essas parcelas não lhe deram o real valor. A hipocresia do Poder funcionava, os sorrisos e as palmadas nas costas de Bocarro, seria comuns como as imaginamos. Continuará a ser uma tarefa árdua para outros historiadores se aprofundarem e chegarem a uma conclusão exacta do que teria sido a vida e as actividades do fundidor, nascido em Goa e o maior quinhão de sua vida passou-a em Macau a fundir artilharia para defender as fortalezas de Portugal, na imensa Ásia; extremo oriente e as embarcações que navegam deste o Tejo ao Japão. N. Valdez dos Santos o autor da obra "Manuel Bocarro o Grande Fundidor" (como já por diversas vezes, no decorrer das partes anteriores, ser o nosso guia para o modesto trabalho que apresentamos), afirma que para concluir o seu pequeno livro: "...para o qual só podemos contribuir com pequeninas achegas colhidas numa ou noutra obra impressa ou manuscristos, onde se encontraram algumas referência ou alusões aos canhões de Macau".
Segundo uma das mais antigas descrições, do século XVII, de autoria do missionário jesuita José Montanha, que a intitula "Aparatos para a História do Bispado de Macau", dá conta que as fortalezas de S.Paulo, de S.Francisco e da Barra, os baluartes de S.Pedro, do Bom Parto e, ainda a esplanada da ermida da Nossa Senhora da Penha comportavam um total de 65 bocas de fogo das quais 43 eram de bronze - a maioria individualizada por nomes de santos - distribuindo-se os calibres entre as seis libras de bala até às 50 libras de bala. Marco d´Avalo que em 1638 visitou Macau, também se referiu aos canhões desta cidade, mas não com tanto pormenor ou rigor como o padre Montanha. dá conta de bocas de fogo existentes nas fortificações e indica os aspectos que mais o impressionaram. Da fortaleza da Barra relata: "16 grandes peças de artilharia, das quais 5 de diâmetro bem largo", havendo, ainda, dentro do bastião um "reduto bem elevado com 6 grossas peças, e de grande alcance" e de, no sopé da fortaleza de S. Francisco existir uma plataforma onde, no ano de 1632, se colocara uma "calubrina" de 48 libras de balla que alcança a distancia de legua e meia...". Refere que o número de bocas de fogo que existiam nas fortalezas de Macau era de 90. Segundo o historiador o Prof. Charles Boxer, em Dezembro de 1643, "a cidade de Macau forneceu uma grande peça de ferro e um bombardeira para a defesa de Cantão". Tudo indica que esta peça de artilharia tivesse sido fundida na oficina de Manuel Bocarro. Em Macau fica a tradição, entre a população, que o Imperador da China, em retribuição, ofereceu uma pequena parcela na Ilha da Lapa, mas não menciona qual teria sido o ponto onde estas peças teriam sido colocadas. O vice-rei da Índia Telo de Menezes, informou a corte de Lisboa "de estar Macau muy bem provida de artelharia esta feita outra muito q lavrou se por contrato". Estas palavras confirmam, em parte, as do cronista António Bocarro na sua obra "Livro das Plantas de Todas as Fortalezas...", escritas uns anos antes de que "ha na dita cidade de Machão setenta e três peças de artelharia afora muita de particulares e de S. Mag., de ferro q esta feita", mas, entretanto não dão a ideia do número, mesmo que fosse aproximado, de bocas de fogo fundidas por Manuel Bocarro. Vinte anos mais tarde o vice-rei da Índia, conde de S.Vicente começou a escrever um completo estudo sobre Macau, porém, à data de sua morte, que foi considerada uma perda nacional, quando esse trabalho, não completado, foi trazido ao conhecimento, inseria uma meia dúzia de folhas, dactilografadas com letra descuidada, com muitas rasuras e com frases repetidas e, algumas não entendíveis. O Conde de S. Vicente, mesmo só o seu relatório com meia dúzia de folhas, dá conta que, em Macau, havia em 1668: "400 péssas de bronze e m.tas delas requezas e perto de 302 Xp.aos e portugueses...". Aventa-se que o Conde de S.Vicente teria exagerado no número de peças de bronze, mas não está fora a hipótese que a totalidade de peças de artilharia de ferro e bronze comportaria esse número. O certo seria que os pontos estratégicos de defesa de Macau teriam que estar muito bem providos de artilharia. Os holandeses não desistiam da conquista do território e de primordial importância, como base para o comércio entre a China e o Japão e, não só, dali piratearem as navegações no Mares do Sul da China e do Golfo do Sião. Em 1622, quando do ataque holandês, Macau estava mal guarnecido de artilharia, segundo Faria e Sousa revela que não havia mais que 54 canhões. Na precipitada fuga dos holandeses derrotados deixaram uma peça peça de fogo e, mais tarde, o capitão geral Tomás Vieira com seis galeões, conseguiu capturar, aos holandeses, numa esquadra 24 canhões. As peças de artilharia fundidas por Bocarro com o correr do tempo foram desaparecendo e as fundidas, em bronze, colocadas entre as ameias das fortalezas e baluartes foram "pilhadas" fundidas e o metal aproveitado para várias aplicaçõs. Marques Pereira, Cônsul de Portugal em Banguecoque (1875-1888), segundo o Padre Manuel Teixeira foi o maior historiador de Macau, refere a existência, em Macau, de 109 peças de bronze e ferro, afirmando que apenas só 9 teriam sido fundidas por Manuel Bocarro e quatro destas desmontadas por não se encontrarem em condições de fazer fogo. Em 18 de Agosto de 1873 o tenente-coronel Almeida apresentou um largo relatório em cima da operacionalidade do material de artilharia que defendia Macau, indicando que o governador de São Januário mandara vender, por não estarem em condições de serviço, 48 bocas de fogo de ferro e tinham sido vendidas três peças de bronze, já serradas. Acrescentava, o seu relatório, que que se "continua a serragem de uma de calibre 36, e na fortaleza do Monte ainda existem cinco". Estes canhões de bronze, serrados em pequenso paralelípedos - muitos dos quais para servirem de pesa-papeis - era, sem dúvida alguma, peças de Manuel Bocarro, e mais, a de calibre 36 devia ser - por mais extraordinário e incompreensível que pareça - a célebre "Peça do Mandarim", fundida em 1626 e que, durante séculos, permaneceu, imponente, na Fortaleza de São Paulo. Mais tarde o então governador de Macau, conde de Paço de Arcos, "separou alguns (canhões) que pudessem ter valor histórico e mandou-os para Lisboa por um dos transportes de guerra". É muito possível que esses canhões, chegados ao seu destino, tivessem ido alimentar os fornos do Arsenal do Exército onde uma peça de artilharia era fundida em 14 horas, para "aproveitamento" do seu bronze. O conde de Paço de Arcos considerou "sem interesse nem valor histórico, como eram muito pesados, foram partidos em pequenos pedaços por um processo, considerado "muito engenhoso", o que mereceu ao seu autor grandes elogios. Para partir aqueles monstros de bronze: "armou-se uma espécie de cábrea a que estava ligada uma roldana pela qual passavam grossos cabos que suportavam um grande peso. As peças depois de aquecidas ao rubro na parte onde se havia de produzir a fractura, eram sbmetidas a uma pancada seca d´esse peso. Assim se quebraram todas, e esses pedaços de bronze antigo forma vendidos para se valer às necessidades do presente".
Foi o caminho que Macau deu a muitos dos seus velhos canhões que, nos tempos idos, tinham defendido Macau da cobiça dos seus numerosos inimigos e que hoje teria um valor incalculável. Há 130 anos, segundo Gabriel Fernandes existiam em Macau 136 bocas de fogos, de bronze e de ferro de vários calibres e espécie. Dez anos depois, em 1890, estavam distribuídas, por todas as obras fortificadas da cidade, 141 bocas de fogo das quais, ao que parece, 109 eram obsoletas como materia de guerra. Ao findar o século (XIX) só estavam em uso, em Macau, 118 bocas de fogo, incluindo dois morteiros, dois obuzes e duas metralhadoras. Porém, em 1930, o capitão Nascimento Moura ( nota nossa: considerado, depois de Fernão Mendes Pinto o melhor historiador que relatou "Portugal na Tailândia", poucos anos antes de o Dr. Joaquim Campos ser acreditado como Cônsul de Portugal nõ Reino do Sião), escreveu: "quási tôda a primitiva artilharia de bronze que existiu em Macau foi fabricada na fundição do Chunambeiro, por Manuel Tavares Bocarro, o qual pertencia a uma família de fundidores de artilharia, que em tal mister se norabilizou na Índia. Infelizmente dêsses canhões que deviam ser considerados monumentos da nossa história militar no Extremo Oriente, não se encontra um único exemplar em Macau". Macau, que trezentos anos antes vira Manuel Tavares Bocarro a fundir os seus famosos canhões, em 1930 não possuía nem um único! Em contrapartida, em Pequim e seus arredores existiam, até 1931, alguns canhões de Bocarro, e, certamente, que espalhados por todo o mundo existiriam muitos mais. Recuando no tempo, voltemos ao distante ano de 1778, quando ocoronel holandês Roberto Jacob Gordon andava a fazer um levantamento topográfico expedito das costas do Natal. Aquele oficial encontrou destroços de um velho navio e, no próprio mapa que estava a levantar, anotou o seguinte: "... entre as dunas os infortunatos sobreviventes fizeram na areia uma espécie de pequenos buracos, e tinham, segundo a minha opinião, morrido de fome, visto ali não haver habitantes; eu encontrei alguns esqueletos, que enterrei. Aqui estavam os restos de uma lindíssima caixa de marfim que parecia ter pertencido a uma livraria de uma igreja católica. Duas enferrujadas âncoras e um canhão, demasiado inacessível para identificação, estavam no mar e peças de madeira de ébano com rochas, na praia. Ao que se parece, durante mais de uma centena de anos, aqueles detroços que assinalavam uma das grandes tragédias marítimas de outrora, não mereceram grande interesse. Contudo, por razões que se não apuraram, ao findar o século XIX, George Macall Theal traduziu para inglês e incluiu na importante obra "História Colonial" a descrição de Teixeira Feyo sobre o naufrágio do galeão Sacramento. Ignora-se qual teria sido a repercussão da história do velho galeão seiscentista e só se sabe que, em 1951, um fazendeiro chamado H.G. Harraway, mandou "lavrar" por um conjunto de 22 bois, as areias da Baía de Sardínia. Foi, então, posto a descoberto um velho canhão de ferro, possivelmente aquele que, duzentos e cinquenta anos antes, o coronel Gordon tinha avistado. esta peça de artilharia foi classificada como sendo do século XVI e de orígem holandesa, tendo sido oferecida ao Museu de Porto Elisabeth. Hoje está colocado à entrada principal daquele museu, com a designação de "Canhão de Harraway". Ao que parece, o único contributo que este velho canhão trouxe foi a errada suposição que, à séculos, teria naufragado na Baía de Sardínia um navio holandês. Outro período de silêncio, desta vez de um quarto de século, voltou a cair sobre os velhos destroços do galeão Sacramento. Em 1977, depois de alguns anos de pesquisas subaquáticas, dois mergulhadores desportistas - David Allen e Gerry van Niekesk - trabalhando separadamente, encontraram nas águas da Baía de Sardínia, onze canhões, muito corroídos, que foram considerados de orígem portuguesa. Procedeu-se, então, à realização de laboriosos estudos históricos e cuidadosos trabalhos de recuperação daqueles seculares destroços e, muito em especial, dos canhões. A investigação histórica foi confiada à Dr.ª Diane Nash, historiadora do Museu de Port Elisabeth, que, pedindo ajuda a duas indiscutíveis autoridades da hsitória afro-oriental dos séculos XVI e XVII - os Professores Charles Boxer e Eric Axeison - foi conseguido desvendar a história do naufrágio da Baía de Sardínia e chegar à conclusão que os destroços encontrados pertenciam ao galeão português Sacramento, naufragado em 30 de Junho de 1647, quando navegava da Índia para Lisboa. Uma equipa de mergulhadores altamente organizados e bem apetrechados, viria a iniciar intensivos trabalhos de pesquisa e recuperação arqueológica dos destroços e, como escreveu a Dr.ª Diane Nash, "uma excitante e significatica nova descoberta foi feita a a de uma grande pilha de canhões de ferro e bronze, que jaziam juntamente, com a aparência de terem sido, transportados como carga de porão do navio. Mais 29 canhões de bronze foram recuperados... e um foi encontrado, quase miraculosamente, em boas condições. Debaixo de uma cobertura de vegetação marítima estava uma crosta protectora de ferro "emprestada" por electrólise pelos canhões de ferro que o rodeavam... Quando a crosta foi removida, o "canhão milagre", com toda a sua intrincada decoração de fundição em relevo, no primeiro reforço, olhava-nos como se tivesse acabado de sair das mãos do fundidor"
A identidade do canhão estava bem expressa nas armas da cidade de Macau e numa artística cártula onde se encontrava a seguinte legenda:
ANTº TELES DE ME NEZES GOVor DA INDIA A MANDOV FAZER NO ANNO DE 1640 . Na faixa da culatra um dístico completava a legenda: POR Mel TAVARES BOCARRO.
Para finalizar o nosso comentário:
Poderíamos ainda escrever muitas páginas sobre a pouco conhecida e ignoradas vida e obra de Manuel Tavares Bocarro. O contributo dele muito viria a contribuir, fundindo artilhares, para que Portugal ainda conseguisse defender algumas possessões na Ásia, daquelas que os holandeses sistemáticamente iam "pilhando" a Portugal. O pouco que sabe dele é através de uma longa carta que escreveu em 1635, em Macau e dirigida ao vice-rei da Ìndia. Carta que é a descrição de toda a sua vida e a permanência em Macau. Carta que certamente iremos publicar, mais adiante, dado que a caligrafia de Manuel Bocarro é de certo modo intrincada e merece uma cuidada transcrição. Manuel Bocarro, ganhando a vida a fundir artilharia em nome de El-Rei de Portugal, era um homem honesto quer nas suas obras como no perfil de homem que tinha herdado do pai Pedro Bocarro. Mas Manuel Bocarro nasceu e viveu entre a "fidalgaria", portuguesa que sustentava o poder com a ostentação das "mordomias" que lhes tinha sido concedidas em Lisboa pela dinastia dos Filipes de Espanha. O fundidor nasce e vive numa altura bastante difícil para a Pátria Portuguesa em que a soberania estava sob os destinos de Castela. Os fidalgos bem se acomodavam sob as ordens régias recebidas da Corte de Lisboa. Os holandeses seguiam tomando conta dos espaços portuguese na Ásia e travavam a navegação dos navios. Manuel Bocarro bem sabia o valor da sua arte e sempre desejou o ser recompensado com um título de nobre que era mais nem menos que o "Hábito de Cristo" a máxima honraria que se poderia galardoar, na época, o homem português pelas suas boas obras em favor do Reino. Nas veias de Manuel Bocarro circulava sangue judaico (embora já diluído) a sua pretensão, embora lhe tivesse sido prometida, enganosamente, jamais lhe poderia ser atribuída. O poderoso clero de Portugal apoiado à monarquia e esta ao clero, não permitia que um judeu ou "marrano" vestir a "farpela" o "Hábito de Cristo". Isto seria uma humilhação e um sacrilégio que o Deus Divino condenava, na eternidade, com as línguas do fogo do inferno.
José Martins
P.S. Só com a colaboração da livro de "Manuel Bocarro o Grande Fundidor" - Lisboa MCMLXXXI (que infelizmente não designa a editora) tive a possiblidade de apresentar o modesto trabalho em 15 partes. Tivemos que recorrer e plagiar muitos texto de N.Valdez dos Santos. Peço desculpa ao autor se porventura tiver acesso a esta prosa. Não tenho por hábito de plagiar textos, mas aqui fi-lo porque entendi que historiadores no futuro e com mais sabedoria que eu, escrevam mais sobre Manuel Tavares Bocarro. Vale a pena que outros "peguem" nesta história de tantas outras, esquecidas, dos feitos dos portugueses de outras eras na Ásia. A herança hsitórica de uma nação deve ser divulgada e esta infelizmente, em Portugal está a perder-se. Os homens políticos de Portugal, de momento acomodam-se, como "passaritos", no "Ninho da União Europeia", que jamais criarão penas, verdadeiras, para poderem voar alto mas de cera como as do Ícaro. Com o exemplo de 60 anos de Portugal sob o domínio dos espanhois foi uma tragédia para a continuação do desenvolvimento e expansão de Portugal no Oriente. Os homens contemporâneos não aprenderam nada. E infelizmente até duvidamos se têm conhecimento da história de Portugal do passado... Portugal será eterno se ainda houverem homens!
Se os não há não tarda que Portugal sofra a segunda humilhação e voltar a ser pisado pela "pata" ibérica" ou da Europa dos 27, de momento.
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