o mar do poeta

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sexta-feira, fevereiro 25

NA ROTA DOS CANHÕES 6a. Parte

Tuesday, July 15, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

Parte 6.ª
Os canhões, primitivos, foram construídos com barras de ferro colocadas ao comprido e poder-se-ia considerar como a formação de um barril através das aduelas. Depois de formarem o círculo eram apertados com aros grossos de ferro. Havia um certo distancionamento entre esses que batido o cinzel com o martelo os aproximava. Em alguns casos o corpo do canhão era revestido com uma capa de cobre para lhe dar mais resistência e aguentar a pressão da explosão da pólvora. Com o correr do tempo foram surgindo novas técnicas de produção e em meados do século XIV, surgiram as peças de ferro, quente, malhado nas forjas, que nunca funcionaram, com perfeição. Em 1377, na Itália (Erfus) apareceu o primeiro fundidor "teve lugar a fundição das primeiras peças de ferro fundido", segundo informação do capitão A.Cardoso in: "Fabrico de Bocas de Fogo de Bronze e Projécteis" e, informa ainda, na mesma obra, que o fabrico de artilharia, em metal, seria iniciado no 1547, pelos ingleses já possuidores de altos fornos a fundir ferro e outros metais. Parece que a Coroa Portuguesa não teria tido grande interesse no canhões, o que se aventa não corresponder à verdade. Portugal para manter a sua soberania foi através de muitas lutas e grandes batalhas e estas aconteceram desde a fundação, em 1128, na cidade de Guimarães por D. Afonso Henriques. Enfrenta por um lado os castelhanos e a missão de empurrar os mouros para o Norte de África. É em Portugal que o fabrico de artilharia, na Europa se desenvolve, pois além de defender, palmo a palmo, o território, preparava-se para se expandir para os territórios além-mar. D. João I contratou, em Castela, um armeiro: " em 1416, D.João I, mandou vir de Castela o armeiro João Pires, isentando-o de pagar siza e fintas, além de outros privilégios, o que tudo foi depois confirmado por D. Duarte em 1435 e por D. Afonso V, em 1460, tanto àquele armeiro , como a outro, talvez seu parente, de nome Afonso Pires, in: Apont. para a hist. do Arsenal do Exército do Gen. J.M. Cordeiro".
Graças ao espírito do Infante D. Henrique, funda a Escola Náutica de Sagres e em 1416, é descoberta a Ilha de Porto Santo e o início da era dos descobrimentos que iria atingir o auge com a descoberta do caminho para a Índia pela rota do Cabo da Boa Esperança, por Vasco da Gama em 1498. Teriam, os portugueses, de construir fortes, fortins, baluartes, junto às baías e ensedas dos territórios ao longo das costas atlântica e do Índico e mais tarde por toda a Ásia e o longínquo Oriente. Nas ameias desses postos, de defesa, teriam que estar pousadas as peças de fogo para se defenderem da intrusão e cobiça de ocupação: dos turcos, dos ingleses e holandeses, os piratas do ocidente. Ora em Portugal desde o reinado de D.João I e já antes fundiram-se canhões. Porém, depois de 125 anos de Portugal ser senhor do comércio, oriental, agudiza-se a cobiça dos turcos, dos ingleses e holandeses. Portugal está sob a dinastia filipina de Castela. Em 1585 a Espanha declara guerra à Inglaterra e acontece, em 1588, a derrota da "Armada Invencível" pelos ingleses onde pereceu parte das nossas melhores naus e caravelas da rota da Índia e Brasil. Devido à declaração de guerra dos espanhois aos ingleses, estes atacaram Lisboa em 1585 e 1589. Segue-se o ataque ao Recife, no Brasil, em 1648, pelos franceses e ingleses. Malaca, a joia da coroa, conquistada pelo Grande Afonso de Albuquerque, em 1511, é cercada pelos holandeses, pela primeira vez, em 1606 e para sempre perdida, em 1641, pelos holandeses. Segue-se a cobiça de Macau e a perda de Sri Lanka. A nobreza portuguesa está dividida e lá seguia vivendo ou acomodando-se, conforme seus interesses, à dinastia filipina. Portugal aquele prestígio, a língua o instrumento de comunicação entre o ocidente e o Oriente; a forma dócil e diplomática de lidar com as populações, grangeado em toda a Ásia e Oriente, por mais de um século começa esfumar-se. No século XVII, entre o período de 1625 a 1635, o vice-rei D. Francisco da Gama escreveu ao rei sugerindo-lhe que enviasse para Goa: "dous ou tres fundidores de ferro coado, pª poderem fundir artª de ferro do muyto e barato q lá há" (Como é sabido em Goa existem minas de ferro que ainda hoje é extraído e exportado. Parece que nos dias de hoje é a segunda riqueza depois do turismo). O rei aprovou e aplaudiu a ideia do vice-rei, mas informou-o: " off.que saibão fundir art.ª de ferro, e se tem aquy per informação que na China, e Jappão, há off.es que o sabem fazer", determinava que ao capitão geral de Macau lhe fosse dada ordem apara que, nas primeiras "embarcações que vierem para a India, vos mande algus destes off.es selariados para que possão fazer funição e ensinar a Arte aos off.es que fundem art.ª de bronze".
O conde de Vidigueira, em 1627 escreveu ao rei informando que D.Filipe Lobo, capitão geral de Macau, o tinha avisado que seguiam a caminho de Goa "dous mui bons fundidores" chineses de ferro. Desde há muito havia intenção de fundir canhões de ferro em Goa. Tal objectivo não tinha sido concretizado dado que se aguardavam ordens do rei. Mas a ideia foi gorada e não funcionou a fundição de canhões pelo sistema de ferro coado. Os dois fundidores vindos de Macau nunca acertaram na tempera e dar-lhe a robutez necessária, ao ferro, para aguentar o disparo, acabando por despedir os chineses e mandá-los de volta a Macau. Chegaram a pensar, enviar para Macau "ferro de todas as sortes", para que os fundidores ali acertassem com a tempera. A ideia fica pelo caminho. Manuel Tavares Bocarro como mestre de "Fundição Real" por contrato celebrado por D. Francisco de Mascarenhas, teria que fundir peças em ferro e bronze, todas aquelas que fossem necessárias. Teria aprendido, com os dois chineses, chegados a Macau o segredo de fundir o ferro coado, escrevendo ao vice-rei que estava já com ele a ciência e arte para produzir artilharia de ferro a preço relativamente baixo. O vice-rei comunica ao rei a "boa" notícia e informa-o ter já dado ordens a Manuel Bocarro para executar: "sem pessas de art.ª de ferro coado". Manuel Bocarro, além de mestre fundidor de bocas de fogo em bronze é igualmente de ferro coado e, orgulhosamente dá a conhecer ao vice-rei da Índia. As cartas de Macau chegadas a Goa fizeram gerar entusiasmo, mas que o mesmo não era assim em Lisboa. De facto a Filipe III agradava-lhe a notícia pelo êxito da fundição de ferro em Macau, mas não deixava de se lastimar o alto preço em que os canhões ficavam depois de fundidos. Dizia o rei que as peças saídas das fundições de Biscaya eram mais baratas e de melhor qualidade. Ao Conde Linhares não lhe agradou a insinuação de Filipe III e respondeu, energicamente, ao monarca, informando-o que seria de toda conveniência "favorecer o dito fundidor, para com isso se animar a o levar avantes" , com isto se manterem as fundições de artilharia em Macau. O rei acedeu ao pedido do Conde de Linhares e a "Fundição Real de Macau" torna-se uma realidade. O conde de Linhares escreveu a Manuel Bocarro, informando-o não só do agrado real e da anuência para que as fundições continuassem em laboração, como também, como prémio, da sua ciência e trabalho em serviço do rei de Portugal, iria ser recompensado com o hábito de Cristo e com uma grande mercê mas, para as receber, era indispensável que fosse a Goa. Pensa-se que o conde de Linhares, tendo já certo o funcionamento da fundição em Macau, pretende que outra de fundição de peças de ferro viesse a operar em Goa. Goa tem muito ferro em bruto e em conta. Assim entende-se que o conde Linhares desejava que o Manuel Tavares Bocarro se deslocasse de Macau a Goa e, quanto ao hábito de Cristo, que lhe prometera, não passava de uma "tramoia", Ao fundidor o rei, apoiado pelo clérigo da época, jamais poderia distinguir o Manuel Bocarro com tal distinção que lhe daria o foro de fidalgo. Embora Manuel Bocarro mostrasse, largo, contentamento da honraria de vir a ser fidalgo, em público, mas sabia, interiormente, que seria impossível. A sua família e ele, também, estavam marcados pela Santa Inquisição. Manuel Tavares Bocarro a sua descendência era judaica e assim considerado um cristão novo apelidado na época por "marrano".
ContinuaJosé MartinsE-mail: josegomes.martins@gmail.com

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