o mar do poeta

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sexta-feira, fevereiro 25

NA ROTA DOS CANHÕES 9a. Parte

Friday, July 25, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

Parte 9.ª
A morte do vice-rei Pedro da Silva, terá sido um golpe rude para Manuel Bocarro e a perda da esperança de obter as mercês e as almejadas honrarias para o compensar do trabalho árduo que teve na fundição de bocas de fogo em Macau. O novo governador da Índia foi designado segundo as regras de sucessão e perante o cadáver do falecido vice-rei Pedro da Silva foi empossado António Teles Menezes, homem de mérito, segundo Faria e Sousa: "com valor e com ambição de honras". Teles Menezes, levava 15 anos de permanência no Oriente e conhecido pela sua perícia militar, porém não tinha vocação para governar. Dentro dele existia o sentido patriótico de escorraçar os diversos inimigos que por terra e mar atacavam as possessões portuguesas na Ásia de que se iam aproveitando dada a decadência de Portugal. O novo governador não era, por aí além, um bom administrador dos fundos da Fazenda Real, gerindo como deveria os reduzidos orçamentos; inserir-se na difícil política e diplomacia oriental e debruçar-se na burocracia do seu executivo. Manuel Bocarro analisa Teles de Menezes e fica-lhe pelo caminho, a solicitação ao novo governador, o estudo e cumprimento da promessa que lhe tinha feito Pedro da Silva; o tão ansioso hábito de Cristo e o estatuto de fidalgo da corte portuguesa e o prémio: "acrescentamentos de homras e merces do fundidor que assistia na China". Manuel Bocarro terá que usar outra estratégia para conquistar as simpatias de Teles de Menezes, demovê-lo, para que as promessas falsas de Pedro da Silva fossem mais tarde cumpridas, montando uma nova fundição de canhões em Goa; entregar-se ao máximo a ela e mostrar o seu mérito de artesão a Teles de Menezes. Segundo a hipotética e provável viagem de Macau a Goa, pelo Bocarro, aventa-se que teria chegado ao território no primeiro semestre do ano de 1639 e na estação da monção e as guerras batalhas marítimas estagnadas e as embarcações nas baías ancoradas. Durante as "férias" no período da monção, vivia-se em Goa e em outros portos do oriento alguma ociosidade; o fundidor Bocarro aproveita-o para a construção de fornos para do minério de ferro, abundantemente em Goa, transformá-lo em coado e despejá-lo nas formas que daqui sairiam peças de fogo em ferro, que bem necessárias seriam para os fortes portugueses no Ceilão, Golfo Pérsico e Costa do Índico, "onde as aves de rapina", holandesas, não lhes davam paz ou ponta, que fosse, de sossego. O fundidor teria acendido os fornos no fim de 1639 ou no princípio de 1640 e entrega-se com todo o seu vigor e arte para fundir bocas de fogo de ferro coado. Manuel Bocarro não teve sucessos, como já tinham acontecido aos fundidores chineses, vindos de Macau, não acertava na tempera das peças. O fundidor vive amargurado e para ele a espécie de um enxovalho à sua sabedoria. As várias experiências que haja feito, com o ferro coado feito, todas lhe sairam goradas. Para Bocarro era uma derrota e teria que procurar salvar o seu prestígio e pensa-se que por sua iniciativa ou pelos conselhos de seu pai, voltou-se para a fundição de artilharia em bronze. Goa estava para Manuel Bocarro uma mãe madrasta e aquele enorme prestígio alcançado em Macau estava a diluir-se. O fundidor pretende fugir às críticas e ao escárneo dos seus inimigos pessoais de Goa, facetas de vida e tradicionais entre os portugueses com estatuto hierarquico na Ásia e Oriente. Mas voltando ao tempo de monção, depois de Bocarro não ter tido sucesso com a têmpera do ferro coado, por ordens de António Teles de Menezes, produz moldes idênticos aos da sua fundição em Macau, onde neles não faltaria, gravado o escudo de armas daquele território, mas sem o brasão, a Cruz de Santiago. Porém as peças ostentavam, em fitas ou en cártulas, a legenda que tinham sido fundidas, por ordem do governador da Índia. António Teles de Menezes, sob a lei da sucessão, pela morte de um vice-rei, considerava-se um governador interino. A 26 de Março de 1640 saiu de Lisboa um novo vice-rei da Índia, João da Silva Telo de Menezes, Conde de Aveiras, que a nau que o transportava, navega em águas bonançosas e de bom vento, depois de 174 dias lança o ferro em Goa. O novo vice-rei ao desembarcar em Goa encontra a cidade "num estado mizeravel e difficil". Porém António Teles de Menezes, não contava com a sua substituição e outro remédio não teria que aceitá-la e desde logo procura cativar as simpatias no novo vice-rei. Um dos brindes oferecidos ao António de Menezes e com a finalidade de o homenagear pelo alto cargo que tinha sido distinguido, por el-Rei de Portugal, o fundidor Manuel Bocarro vai modificar o molde da marca dos canhões e acrescenta-lhe: "móvel do brasão da família Silva Teles de Menezes, ou seja, um leão rompante, porém com uma variante de pura fantasia, isto é, sob um "coronel". "A peças de artilharia seriam no futuro fundidas com estes símbolos, mas não deixavam de ter o nome do fundidor: POR M.el BOCARRO. No Museu Militar de Lisboa encontram-se dois exemplares desta fundição. Uma dessas peças (R.1) é uma magnifica colubrina de bronse, com 13,5 cm de calibre, 3,64 metros de comprimento e cerca de 3o26 kg de peso. No 1º reforço tem as armas de Macau - sob uma coroa as armas reais portuguesas, ladeadas por dois anjos, segurando o da esquerda uma Cruz de Cristo e o da direita uma esfera armilar. As "Asas" da peça são tipicamente de formato oriental mas, no fundo da culatra, lembra um trabalho indiano que se completa com um certo mesticismo proveniente do cascavel, ornamentado com volutas e terminando numa mão de uma mulher a fazer uma figa o que, segundo a mitologia hindú, é o símbolo mágico para uma boa gravidez. Numa fita lê-se a seguinte legenda: ANT.º TELLES DE MENEZES - GOV.or DA INDIA 1640." Nesta peça não existe sigla que identifique o nome do fundidor, tudo indica que esta peça a que lhe foi dado o nome "Canhão Milagre", é obra de Manuel Bocarro. A omissão da assinatura pode considerar-se propositada, o velho Pedro Dias Bocarro pai de Manuel teria, nessa altura, 80 anos de idade e embora já não fundisse peças na sua oficina, que ali tinha dispendido 50 anos de sua vida a fabricar canhões, o facto teria sido por uma questão e respeito não ter gravado seu nome. Outra peça existe no Museu Militar de Lisboa (R.12) é muito parecida à anterior, mas com certas diferenças; as principais, possuirem, em relevo, o leão rompante e a indicação ter sido fundida "POR M.el TAVARES BOCARRO. Estas duas diferenças aparecem associadas o que leva a supor que os ornamentos fossem implantados, após a chegada a Goa do vice-rei Telo de Menezes. Há a particularidade destas duas peças é terem o cascavel completamente diferente. Na primeira é em formato de "figa", na segunda é em "flor de lotus", venerado símbolo da mitologia hindú, que representa o mundo saindo das águas. O leão rompante coroado era considerado uma honraria ao novo vice-rei da Índia e a inclusão do nome de Manuel Tavares Bocarro, bem se pode levar a entender que o velho mestre da "Real Fundição de Goa", Pedro Bocarro, ter morrido, o que de prever no final da monção, numa altura em que verificavam muitos óbitos em Goa e os idosos os mais afectados. N.Valdez dos Santos na sua brilhante investigação inserida no livro "Manuel Bocarro o Grande Fundidor" descreve na pg. 55: " Ao terminar a breve descrição dos canhões do Bocarro, fundidos em Goa no ano de 1640, e que hoje se encontram no Museu Militar de Lisboa, é lícito perguntar qual a razão porque ostentam as armas de Macau mas sem o respectivo brasão, ou seja, a Cruz de Santiago. Pode-se responder que isso talvez se deva ao facto de Manuel Bocarro Tavares Bocarro ter pretendido manter as armas que sempre gravara nos seus canhões e que inegavelmente, eram mais representativos de Portugal do que armas reais de Castela com um pequeno escudo português sobreposto. Segundo nos afigura a hipótese da estadia de Bocarro em Goa pode ser comprovada pelo traslado da petição que constitui a "consulta" anteriormente aludida, em que aquele fundidor pedia "em renumeração dos seus serviços o abtio de Xp.to com 50 Reis e foro de fidalgo". com efeito neste documento lê-se que "o g.or Ant. Telles logo que entrou a governar... ordenando lhe que logo fundisse todo o cobre q houvesse do Japão em dois géneros de artilharia, sendo hu delles de 18 e 20 calibres, por serem os das guerras e brigas q teve com enemigos porq so elles serão convenientes pª os galeões aos quaes tambem erão neces.as peças colubrinas para as partes que se requeirão nas armadas, fizesse 24 dellas de 12 e 16 sendo as de 12 de 20 L.as e 33 embocaduras, e as mais em canhão, nas quaes o Supp.to levou grande trabalho, como o mesmo G.or no fim da sua carta diz". Por este período transcrito depreende-se que a fundição das "24 colubrinas e os mais canhões devia ter sido feita em Goa, porque não se encontrou qualquer referências que, de meados de 1640 a fins de 1643 tivesse havido comunicações regulares para Macau onde, aliás, não havia sobre que permitisse a fundição de canhões de tão grande porte em número relativamente elevado. Ora, segundo segundo as palavras de Bocarro, este concluiu a fundição de artilharia "com grande trabalho, o que o governador não só reconheceu como também "se satisfez deste serviço".
CONTINUA...José Martins
P.S. Os agradecimentos e com a devida vénia foram retiradas as imagens da magnifica obra: "História das Fortificações Portuguesas no mundo". Editada por Publicações Alfa. Não nos seria possivel prosseguirmos este trabalho sem a ajuda desta e de outras obras publicadas.

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