Wednesday, July 02, 2008
NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL TAVARES BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR
Parte 1
Manuel Tavares Bocarro o maior artesão, português, na arte de fundição de bocas de fogo, foi o grande ignorado. Poucos portugueses conhecem a história de sua vida. Manuel Bocarro de descendência judaica, por via disto, o seu nome e sua arte de fundidor foi-lhe sendo negada, ao longo de sua vida, a divulgação a que isto se ficou a dever à forte influência da igreja, no sistema, governativo, da corte portuguesa. Suas bocas de fogo, não só equiparam as ameias de fortes em toda Ásia, transportadas para Portugal e outras, para sempre, na base do mar devido aos naufrágios. Temos, há mais de 20 anos, na nossa biblioteca particular a única obra que conhecemos "Manuel Bocarro o Grande Fundidor" de autoria de N. Valdevez - Publicações da Comissão de História Militar- Lisboa MCMLXXXI, que apenas lhe tinhamos passado uma vista de olhos. Como nos propusemos fazer um pequeno trabalho, sobre os canhões, armas e ameias portuguesas na Tailândia esta obra é de primordial importância que muito me irá auxiliar. Entretanto procuramos na Internet e poucas referências encontramos sobre Manuel Tavares Bocarro a não ser algo que eu teria, escrito e feito circular neste blogue e no nosso website http://www.aquimaria.com/. Manuel Bocarro, sem haver a certeza, o seu bisavô materno, teria sido Estevâo Bocarro, cujo seu nome aparece na obra "Ásia Portuguesa", de Manuel Faria e Sousa, página 185, XXIV: - "Porque deu uma sentença contra Estêvão Bocarro, e logo a revogou"? Num processo em que teria sido acusado, de culpas, cujo o arguído, era o Governador da Índia, Lopo Vaz de Sampaio (1526-1529). Pesavam sobre o Lopo Vaz, pesadas culpas: "não autorizar Afonso Mexia entrasse em Cochim e acabou por o prender; ter aceite um valioso presente do muçulmano Raez Xarafo; não ter feito justiça a dois judeus e entre outras, graves acusações, incluiam-se actos de corrupção e a venda de uma nau em Ormuz e escondeu, a quem de direito, a transação." O Lopo Vaz, um heroi nos mares da Índia, expediu armadas para muitos lugares, conquistou Tidore, Mangalore e Bombaim. Os seus feitos levou-o a seguir maus caminhos. O Governador Nuno da Cunha, prendeu-o em Goa e enviou-o, a ferros, para Lisboa onde acabaria de vir a sofrer as maiores humilhações e torturas. Em sua defesa, perante o Rei afirmou-lhe: " No processo de culpar-me e ouvir-me se hão violado as vossas justíssimas leis que até alteração nelas se inovou para perseguir-me e molestar-me" (Ferreira Martins in: Crónica dos Vice-Reis e Governadores da Índia, p.284, A única carta que se tem conhecimento (e que vamos transcrever quando terminarmos este trabalho), escrita por Manuel Tavares Bocarro diz ser "filho de pais e avós honrados e que, entre os da sua geração, não faltavam fidalgos". Seu avô paterno, o fundidor Francisco Dias, o irmão de João Dias, o tio Baltazar Gomes e António Gomes Feo, todos fundidores de artilharia. Francisco Dias partira para a Índia em meados do século XVI, como carpinteiro das naus. Porém, pouco tempo depois, seria colocado nas fundições da Ribeira de Goa e em 1560 era já mestre. Viria, segundo se aventa, a casar com uma filha de Estevão Bocarro e julga-se que o casal teria tido três filhas, Domingas, Helena e Inês e três filhos; Pedro - que talvez fosse o primogénito - Simão e Francisco. Todos são referidos, em documentação, do século XVI, com o apelido Bocarro. Acontece, porém, que a carta régia de 14 de Abril de 1626 é de acreditar quando designa que Francisco Dias Bocarro era filho de Pedro Dias Bocarro e, assim, neto de Francisco Dias. Uma carta régia com a data de 1587, enviada para Goa, informava, o Rei, que dado o Francisco Dias estar enfermo e cansado, dois fundidores seriam despachados de Portugal para Goa com a finalidade de o substituir. Entretanto o governador D. Duarte de Meneses, entendeu, pelo melhor que o lugar do velho fundidor Francisco Dias, fosse tomado pelo seu filho Pedro Dias Bocarro. A sua nomeação, como mestre da fundição de artilharia do Estado da Índia, teria sido por alturas de 1588. Cargo depois confirmado pelo Rei Filipe I, em carta régia de 12 de Outubro de 1599. Pedro Dias Bocarro, seria pouco depois da sua nomeação, enviado para Chaul com a finalidade de restaurar e desenvolver as fundições de artilharia, ali estabelecidas. Um documento datado em 1633, as fundições estariam sob o cargo dos missionários Jesuítas da Companhia de Jesus. O único canhão, conhecido e fundido por Pedro Dias Bocarro nas fundições de Chaul, tem a data de 1594 e uma peça, portuguesa, das mais bonitas, naquela época. Ficou conhecido pelo "Canhão de Chaul" e mais tarde, em 1843, foi "pilhado" pelos ingleses em Hyderable, levado para a Inglaterra, exposto na "Torre de Londres" e exibido como um magnífico troféu de guerra. Depois da fundição do "Canhão de Chaul", Pedro Dias Bocarro voltou para Goa. Certamente o seu regresso se deve ao facto de ser casado e não desejar manter-se afastado da mulher. Aventa-se que o apelido Tavares, genéricamente, pertencia a Belchior de Sousa Tavares, um homem de feitos e capitão-mor do mar de Ormuz, ou então, segundo Germano Correia, " História da Colonização Portuguesa na Índia" Agência Geral do Ultramar - Lisboa MCMLI, na pag. 467 refere: "FAMÍLIA GOUVEIA TAVARES - Francisco Tavares e D. Merciana de Gouveia eram cônjugues que constituiam este nobre casal metropolitano, que, em data incerta, se expatriou para o Oriente", Germano Correio extraiu esta informação do Livro-alardo nº1,fl. 179 - Arsenal de Goa. Manuel Tavares Bocarro o filho primogénito do casal Tavares-Bocarro e neto do velho mestre fundidor, Francisco Dias, será o continuador de uma família de artesões na arte de fundir bocas de fogo. Em Goa, seu pai, Pedro Dias Bocarro fundiu seis peças de grande cumprimento e corpo grosso, mas não lhe teriam dado grandes lucros. Numa carta, dirigida ao Rei informáva-o: "com vontade e diligência, acabava por pedir uma mercê, por sua muita pobreza". Ora o Manuel Tavares Bocarro aprende a arte e o segredo de bem fundir canhões ao lado seu pai, Pedro Dias Bocarro, que executava as mais belas peças de artilharia. Uma das magnificas obras foi uma colubrina em 1595, onde tinha estampada a imagem de Santa Catarina, movimenta-se, entre duas rodas de navalhas. Relatos da época, era dada como um canhão de rara perfeição. Seria por isso que a peça de fogo, de grosso calibre, foi conservada por três séculos e meio. O Governador da Índia (1841) José Joaquim Lopes Lima, para compensar o défice existente no cofre de Goa, ordenou que fosse derretida e cunhada moeda. Outros canhões e sinos fundiu Pedro Bocarro, em Goa, mas depois do "Canhão de Chaul", mais três colubrinas, dos anos de 1622 e 1623, encontram-se no Castelo de S. Jorge, no Brasil e no Museu Militar de Lisboa; três sinos: um na torre da Igreja de Ternate, outro o "Sino da Dignidade", na Sé Catedral de Goa e ainda mais outro na Igreja de S.Pedro, em Malaca (fundições de 1603,1605 e 1608). Em finais do século XIX, o major Perry da Câmara, num artigo intitulado: "Distrito de Cabo Delgado" (Moçambique), publicado no Bol. da Soc. de Geografia de Lisboa, pag. 77 (1886), havia na Ilha de Zanzibar, oito peças portuguesas, e duas deveriam ter saído da fundição de Pedro Bocarro. No princípio do século XX, viajantes portugueses que visitaram aquela ilha, teriam observado, três peças de artilharia com inscrições portuguesas que tinham sido fundidas em ferro, porque se fossem em bronze, de certo que não estariam por ali abandonadas. Nos anos de 1980, o autor deste artigo, encontrou num forte, em Baticoloa, na parte central/Este de Ceilão (Sri Lanka), diversas bocas de grosso calibre, em ferro, junto à enbocadura de um rio que defendia a intrusão do inimigo pelo mar. Porém, na altura, ainda não tinha a inclinação e paixão, que hoje temos, no estudo da história da expansão portuguesa na Ásia. Bem pena temos disso porque teríamos examinado essas peças, numa pequena terra, Baticoloa, onde a passagem dos portugueses estava bem arreigada e até, com o orgulho, passado de várias gerações, entre a população, de os portugueses terem passado pela ilha, onde várias palavras portuguesas estavam adiccionadas à língua local.
Continua este trabalho que será longo em artigos seguintes.
Obs. Só é possível levar-se a cabo um trabalho deste, através de muita informação recolhida e até, muitas vezes, temos que recorrer a certos "plágios", inocentes, que cozinhamos à nossa maneira. Penso que a informação que vou recolhendo, os autores (honra a eles mesmo mortos), já não pertencem ao número dos vivos. O meu objectivo é apenas que os meus fracos relatos, venham a contribuir para avivar a memória dos portugueses, de agora, que os do passado foram Homens de valor na Ásia e Oriente depois de 1498 e de quando Vasco da Gama, chegou à Índia, pela rota do Cabo da Boa Esperança. Pobre Povo, de uma nação, que ignora a história dos seus Homens. Todas as sociedades com o correr do séculos se vão deteriorando. A portuguesa é um facto! Principiou a decair (somos democrata e respeito pela liberdade) desde o dia 25 de Abril de 1974. Os grandes impérios também cairam: "os do Incas, dos Índios das Américas, o dos Romanos e o dos Otomanos. Mas o pequenino império, Portugal, que foi enorme será necessário que não "tombe" a história e por isso aqui estamos...
José Martins
Imagens: Extraídas com a devida vénia: "História das Fortificações Portuguesas no Mundo" Edição Publicações ALFA e Vice-Reis e Governadores da Índia Portuguesa - Francisco Xavier Valeriano de Sá - Editado em Macau "Por ocasião das Comomerações do V Centenário da Chegada à Índia da Armada de Vasco da Gama.
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