o mar do poeta

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segunda-feira, novembro 22

Leia a entrevista de António, o cartoonista que colocou um preservativo na cabeça do Papa

por PAULA BRITO20 Novembro 2010



António, cartoonista do jornal "Expresso", admite em entrevista ao DN voltar a caricaturar Bento XVI a propósito do anúncio sobre o preservativo.

O Papa Bento XVI admitiu finalmente o uso do preservativo para evitar a contaminação do vírus da SIDA. Como vai o António caricaturá-lo agora?

Apanhou-me de surpresa [cartoonista está em Paris], mas sim, é previsível que vá desenhá-lo outra vez. Como? Tenho ainda de ver... Mas esta mudança continua a não resolver a questão de a sexualidade continuar a não ter direito de existir, a não ser como veículo de reprodução.

Esta imensa contradição, um dia, terá de ser resolvida, pois a questão de fundo não está tratada. Falo da sexualidade como prazer, bem-estar, uma coisa boa e natural, que faz bem e falta a qualquer pessoa e não algo reprimido. É um disparate.

Fazer parte do dogma da Igreja é a explicação apontada para a proibição do uso do preservativo se eternizar?

A eternidade é muito tempo. A igreja é uma instituição antiga, em relação à qual até os seus fiéis começam a ter sérias dúvidas. Basta ver o caso de Galileu, em relação ao qual a Igreja veio pedir desculpas.

Existe essa possibilidade de desculpas também para o preservativo?

Não gostaria de ver mais perdões desse tipo, até porque a Igreja tinha muito a ganhar se revisse os seus princípios, ajustando-os ao séc.XXI. De qualquer modo, é positivo que a Igreja comece a abrir excepções. Mas era importante que aceitasse que tudo na sexualidade, onde há prazer, não é uma coisa má, sendo a partir daí também que se constrói a igualdade.

E acha que o seu novo cartoon com preservativo vai ter o mesmo impacto que o primeiro, com João Paulo II?

Involuntariamente fiquei muito marcado e sempre que há uma evolução sinto-me obrigado a participar na "festa". Mas recordo que em 1993 foi uma polémica tremenda, ainda assim, com uma grande derrota para a Igreja, pois corria um abaixo-assinado que deu direito a discussão no Parlamento, contra aquele cartoon, em que se esperava um milhão de assinaturas, e os seus promotores conseguiram apenas 28 mil.

E o segundo cartoon, em 2009, já com este Papa, com o preservativo todo enfiado na cabeça?

Tivemos duas cartas de fiés mais fundamentalistas, sinal de que a vida mudou. A igreja como não tem soluções fica encurralada na sua paralisia.



Um Papa capaz de surpreender




A Igreja Católica tem o seu ritmo muito próprio de se relacionar com o mundo. Um ritmo que tem por horizonte a eternidade. Isto explica, até certo ponto, o aparente imobilismo do Vaticano em relação a temas hoje muito em foco no mundo ocidental - da concepção ao aborto, do casamento homossexual à eutanásia. Mas, apesar das aparências, também ela se move.

 E agora, claramente, pela mão de um Papa que ao ser eleito em 2005 como sucessor de João Paulo II quase todos anteviram como um irredutível conservador, incapaz de promover reformas. Pela sua idade, pelo sua terra de origem (a Alemanha, nomeadamente a Baviera) e sobretudo pela forma rígida como geriu a Congregação para a Doutrina da Fé durante o pontificado do seu antecessor polaco

Afinal, estas previsões foram contrariadas. Num livro-entrevista que já está a dar que falar em todo o mundo ainda antes de surgir nos escaparates, na próxima terça-feira, Bento XVI surpreende crentes e não crentes ao admitir a utilização do preservativo "em certos casos", designadamente "para reduzir os riscos de contaminação" de doenças sexualmente transmissíveis, como o vírus VIH.

 É a primeira vez que um Papa faz uma declaração deste género, que vem ao encontro de múltiplos apelos repetidos durante anos por católicos de todos os quadrantes. Inclusive de religiosos que se encontram na primeira linha do apoio, no terreno, aos doentes com sida.

Sem alterar o essencial da doutrina católica, que tem dois milénios de existência, Joseph Ratzinger demonstra assim que é capaz de a adaptar aos desafios dos novos tempos. Uma forma de abraçar a modernidade sem perder de vista a eternidade.


Fonte - Diário de Notícias


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