o mar do poeta

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terça-feira, maio 19

NADAR PARA QUE LIBERDADE?

A FROTA DA POLÍCIA MARÍTIMA E FISCAL

UM EMIGRANTE SENDO DETIDO E RECOLHIDO PARA BORDO DE UMA VEDETA DE FISCALIZAÇÃO




No dia 1 de Agosto de 1986, o Jornal Gazeta Macaense, publicou um interessante artigo sobre a emigração clandestina em Macau e que a seguir iremos reproduzir. A autoria do mesmo é do seu Director João Severino.


" O Director do jornal tinha decidido formar uma equipa para a cobertura possível acerca da última "invasão"de emigrantes clandestinos, a qual tinha ganho honras de conversa diária em Macau.




Ontem, pelas 20.00 horas, reuniram-se na redacção dois jornalistas portugueses, 2 da imprensa chinesa e um colaborador do jornal profundamente conhecedor das margens do Território.




Eis a equipa constituída, podendo-se ver o Director da Gazeta Macaense e redator deste artigo, João Severino, é o senhor que se apresenta com bigode.


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Estudaram-se os melhores locais pelos quais os emigrantes clandestinos entram em Macau, falou-se da hora ideal, do perigo inerente à reportagem, dos meios móveis e informativos, enfim, de tudo um pouco que levaria cinco humanos que vivem em Macau ao encontro de muitos outros que tentam a todo o preço conquistar uma chamada liberdade? A de residirem em grupos de vinte num quarto onde habitualmente vive um casal? A de venderem o corpo por duas dezenas de patacas, de cada vez, repartindo as diversas comissões pelos controladores? A de vencerem um salário miserável, o qual não lhes dá para mais do que uma tigela de arroz por dia? A de sairem à rua mais ou menos à vontade uma vez por ano por altura do Ano Novo Lunar? Existem mil e uma razões que nos levam a poder afirmar que a liberdade procurada, não passa da mais ignóbil clausura disfarçada.




"DÊ-ME UM CIGARRITO" - PEDIDO DE UM EMIGRANTE AO REPÓRTER
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  • À meia-noite a reportagem da "Gazeta Macaense" dirigiu-se ao Comando da Polícia Marítima e Fiscal, a fim de recolher o ponto da situação respeitante à captura de emigrantes.
  • Fomos recebidos por homens sem sono, que de uma maneira ou de outra estavam em cima dos acontecimentos. Condutores de viaturas, especialista em comunicações rádio, em arquivo, em dactilografia, em vigilância e principalmente em dialogar com os "nadadores".
  • De imediato quem quis dialogar fomos nós, já que até aquela hora tinham sido capturados 24 cidadãos chineses oriundos das mais diversos locais.
  • GM. - Que idade tens? E porque é que viestes para Macau?
  • EMIGRANTE - Tenho 18... vim porque foram lá à minha terra dizer que o Governador de Macau ia dar cédulas a todos...
  • GM. - A todos quem?
  • EMIGRANTE - A todos os que estivessem aqui sem documentos e então eu resolvi por-me a caminho...
  • GM.- De que maneira?
  • E. - Como é que havia de ser, a nadar... primeiro vem-se ali para a montanha da Lapa. Espera-se que não hajam muitos barcos a passar e que a água baixe um pouco e depois... oiça lá, meu senhor? Dê-me um cigarrito...
  • GM.- Com muito prazer. Estás com frio e fome?
  • E. - O frio é só por um bocado, depois passa... andei muito tempo dentro de água. Fome é que tenho. Não como há muito tempo... tive foi azar...
  • GM.- E se tivesses sorte? Para onde ias?
  • E. - Ia procurar o meu irmão. Ele trabalha cá em Macau e de certeza que me arranjava comida e dormida.
  • GM.- Ele sabia que tu vinhas hoje?
  • E. - Não, senhor! Isto só pode ser quando...
  • GM.- Quando quê?
  • E.- Quando está bom tempo...

TRÊS DOS LOCAIS PREFERIDOS PARA O "SALTO" E ONDE ESTEVE A NOSSA REPORTAGEM
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  • Escusado será dizer que nos rimos um para o outro e que a vinda não tem nada a ver com o tempo, mas sim com particularidades sobejamente conhecidas de todos os leitores e que incluem questões financeiras.
  • O nosso interlocutor ainda nos disse que era a primeira vez que vinha a Macau a "salto". Que não voltaria a tentar o mesmo, ao que nós respondemos não acreditar e que os polícias que o prederam o tinham tratado bem, dando-lhe até vestuário novo. Nova gargalhada, se é que ensta situação possa haver lugar ao riso, pelo facto de termos dito, que do mal o menos, veio a Macau buscar roupa nova.
  • Pelo Comando da P.M.F., o ambiente era de atenção pelas comunicações que iam chegando, quer das vedetas em movimento pelas águas marginais, quer das patrulhas espalhadas por diversos locais.
  • E foi para um desses locais que a reportagem da "G.M." se dirigiu - a Ilha Verde.
  • Os nossos dois automóveis pararam naquela chamada ilha às 02.00 horas e logo que abandonámos as viaturas, tivémos a sensação que aquele local era de respeito, muito respeitinho. A noite estava quente e húmida. Acender cigarros nem pensar. Queriamos observar in loco a chegada de alguns "nadadores" Colocámos as máquinas fotográficas na velocidade certa e logo nos dirigimos para os tais locais escolhidos na reunião das 20.00 horas do dia que já tinha terminado. Ao fim de vinte ou trinta minutos passados, alto lá, que a nossa respiração susteve-se.
  • Ouviram-se disparos e latidos de cães, que mais tarde nos informariam tratar-se de pastores alemães usados pelos guardas do outro lado do Canal dos Patos. As opiniões divergiram no nosso diálogo quase silencioso. Houve quem dissesse que se tratava de metralhadora e quem afirmasse que os guardas estavam a usar panchões apenas para afugentar os "cobras" e seus acompanhantes.
  • O certo é que um dos "nadadores", mais tarde capturado, confirmaria que do outro lado , nessa noite, os guardas chineses não estavam para brincadeiras.
  • Passada meia hora, cada um de nós estava deitado ou sentado junto aos arbustos que se encontravam mergulhados no canal. Ver para crer . De repente os nossos olhos avistaram um género de tronco a boiar. Mas, o tronco movimentava-se. Seria da correnteza? Qual corrente, qual carapuça!
  • Logo atrás apareceu outro "tronco" e a aproximação era lenta. o último frente a frente entre nós e os "troncos" foi de uns 5 metros. Resolvemos abandonar o local. Não havia dúvida. Estavam ali dois emigrantes.
  • O nosso abandono do local deveu-se e nada nos priva de sermos verdadeiros, porque tivémos a sensação nítida de que os actos de violência se seguiriam.
  • Não estávamos ali para isso. Quem estava a chegar teria de salvar a pele. Custasse o que custasse, nem que tivesse de dar um murro ou uma facada no repórter intrometido.
  • A noite escura deve ter facilitado a fuga aos avistados "troncos". A mesma sorte não tiveram outros "troncos" que cerca das 04.00 horas, junto ao muro frontal ao Bairro do Hipódromo, vinham a nadar ajudados por bóias iguais àquelas com que as crianças brincam na praia. Aí a acção da Polícia Marítima e Fiscal ficou bem patente.
  • Uma vedeta patrulhava a zona compreendida entre a Doca Holandesa e o Fortim do Hipódromo, local este onde nos encontrávamos. De um momento para o outro os agentes ali em serviço avisaram-nos que estivéssemos com atenção porque a vedeta iria acender os holofotes, já que desconfiavam da vinda de emigrantes. Aviso feito, águas iluminadas e homens no mar. Homens será uma maneira de dizer, pois envoltos em bóias, ali estavam mesmo à nossa frente quatro "nadadores", entre eles uma mulher com mais de trinta de anos. A distância percorrida a nado tinha sido muito grande.
  • Estavam exaustos. Impossibilitados de fugir. Eis quando, um dos "nadadores" consegue dar umas braçadas rápidas para o lado das Portas do Cerco e assim livrar-se da captura. Ele nadava e nós de terra fazíamos perguntas.
  • G.M.- Não vens para aqui?
  • E. - Posso ir? não sou preso?
  • G.M.- Estão aqui polícias...
  • E. - Então, não vou!
  • G.M. - Mas para esse lado também és apanhado...
  • E. - Vamos lá a ver... Tudo pode acontecer. Adeus.
  • G.M. - Há quantas horas andas a nadar?
  • E. - Eu sei lá! Há mais de três...
  • G.M. - Onde arranjaste a bóia?
  • E. - Em Zhuhai!
  • G.M. - Posso tirar-te uma fotografia?
  • E. - Pode... eu viro a cara... adeus!
  • E assim desapareceu o nosso "nadador" pelas águas escuras em direcção à zona fonteiriça.
  • Na vedeta da P.M.F. a única mulher nadadora, de cabelo curto, oleoso, molhado, olhou-nos com desprezo. Ela sentia a revolta natural por os seus intentos sairem gorados. Contudo, acedeu a responder às poucas perguntas formuladas.
  • G.M. - É a primeira vez que nadas para Macau?
  • E. - Não, senhor! Já é a terceira vez e por três vezes fui apanhada. Vim de Kong Mun.
  • G.M. - E porque é que queres viver em Macau?
  • E. - Porque tenho cá a família toda e até tenho cá um filhito. Disseram lá em Kong Mun que o Governador é homem bom e que ia resolver a nossa situação...
  • G.M. - A vossa não! Ele ainda não disse o que faria. Andam para aí a mentir-vos.
  • E. - Foi o que disseram.
  • G.M. - Ao vires a nadar não penses que podes levar um tiro?
  • E. - Desde que haja cédula, não se pensa em tiros.
  • G.M. - Quando voltas, o que é que te acontece?
  • E. - Estamos cinco dias num centro onde estão os que são apanhados e por lá estarmos temos que pagar 150 RMB e então depois voltamos para a terra...
  • G.M. - E depois arranjas dinheiro para vires outra vez para Macau?
  • E. - Não, não! Eu não tenho dinheiro.
  • A vedeta começava o seu trajecto de regresso à ponte no. 1. Os emigrantes à chegada eram levados de jeep para o Comando e aí a mesma operação das anteriores. Roupa nova e se possível um cigarrito.
  • O raiar de um novo dia avistava-se no horizonte. Estacionámos na chamada meia-laranja, a fim de efectuarmos o balanço de 7 horas de reportagem. Um outro carro estaciona junto a nós. Tratava-se de mais um carro patrulha da P.M.F. Do seu interior saiem quatro agentes. Um deles completamente encharcado. Tinha estado a ajudar camaradas a capturar outros "nadadores" para dentro de uma sampana.
  • Sampana porquê? Porque os três barcos de borracha em serviço tinham-se rompido nas pedras. Os homens da Polícia Marítima merecem aqui, sem qualquer favor, uma palavra de admiração e apreço. O cumprimento do dever está acima de tudo.
  • Os mergulhadores tinham arriscado a vida. Os agentes da vedeta não ingeriam qualquer alimento há muitas horas. os membros das patrulhas apeadas e móveis não tiveram direito a descansar um minuto.
  • Trabalho exaustivo. Quanto a nós, em demasia. Só esta noite foram capturados 53 emigrantes. Os efectivos são escassos e que não passe pela cabeça de ninguém ser possível patrulhar com eficácia a totalidade da orla marítima.
  • Esta noite palmilhámos os muitos quilómetros, os buracões e buraquinhos por onde pode entrar gente. e podemos concluir que o trabalho levado a efeito pelos homens da P.M.F. em muitos casos é heróico. A tal ponto que o Guarda de 1a. Classe HO TAT VAI, recolhido já morto, por uma lancha da P.M.F., deu a vida pela sua farda.
  • HO TAT VAI foi ontem a enterrar com todas as honras militares. Façamos votos para que este problema da emigração clandestina não ceife mais nenhuma vida.
Que seja mínimamente resolvido, de modo a que pelo menos termine a exploração do "rastejante" pelo "nadador".

Foi o articulista, agente da P.M.F. durante 25 anos, e situações idênticas e outras ainda de maior perigosidade passou, tanto no mar, quando comandava vedetas, quer em terra como Chefe do Sector 4, zona essa onde os emigrantes usavam mais para entrarem em Macau.



Com o passar dos anos, a maioria dos emigrantes já não vinham a nado, mas sim em pequenas embarcações, os cabeças de cobra, assim chamados aos engajadores, recebiam avultadas quantias em dinheiro.
  • Muitas embracações capturou o signatário, as fotos acima reproduzidas são bem uma prova. Esta meninas, bem trajadas, eram recrutadas na China e vinha trabalhar para os clubes nocturnos de Macau.
  • As mama sames essas as controlariam depois e assim todo o dinheiro que iam conseguindo ganhar, parte dele era para pagar não só o transporte delas para Macau bem como parte para o cabeça de cobra e a mama same que as controlava.
  • Era assim Macau nos anos 60, 70, 80 e 90, depois da entrega de Macau à república popular da China é raro haver casos destes, vindo a nado do outro aldo da fronteira.

A prostituição essa continua, as meninas entram em Macau legalmente e depois por cá ficam, ilegais, exercendo o seu mister!...


  • SECTOR AREIA PRETA


  • Era Subchefe quando outro Subchefe, encarregado das patrulhas no Sector da Areia Preta tinha passado à reforma compulsiva, porque numa noite, ao serem encontrados alguns imigrantes ilegais entre os quais estava uma prima sua, deu-lhes protecção sem comunicar o facto ao Comando, que só veio a ter conhecimento deste caso mais tarde.

  • Prestávamos serviço no Terminal Marítimo e fomos escolhidos para substítuir este Subchefe.
    A designação de um Subchefe para aquela missão era um “desperdício” mas enfim, o Comando lá teria “as suas razões”!…

  • O Sector, se a isso o poderíamos chamar, tinha uma vasta áera, que ia desde a Doca dos Holandeses, onde se encontrava a patrulha 16 e ia até às proximidades das Portas do Cerco, onde actuava a patrulha 23.


  • A maioria da área ficava na Estrada Marginal da Areia Preta e a Estrada do Hipódromo, onde se encontrava uma pequena guarida e no outro extremo um fortim.

  • Nesta zona, desde o fortim no fim da Estrada Marginal da Areia Preta até às proximidades das Portas do Cerco, tinha sido colocada sobre as suas muralhas, uma rede bem alta que terminava com arame farpado, afim de impossibilitar a entrada de imigrantes ilegais.

  • Este local era o mais procurado pelos imigrantes, devido à curta distância que separava Macau da China.

  • Embora fosse Chefe do Sector não tinha instalações onde ficar nesta área, servindo-me da muralha como assento e quando o sol apertava colocava-me debaixo de uma árvore que se encontrava por ali perto.

  • Quando tinhamos necessidade de utilizar sanitários deslocavamo-nos a um dos estabelecimentos do bairro!
    O horário de trabalho era das 09.00 às 17.00 horas e o serviço constava de rondas aos patrulhas.

  • Raramente se assinava um manifesto de desembarque de gasóleo, de algum navio atracado a uma “Alva” existente no mar, e que bombeava gasóleo através de oleodutos, o que não permitia verificar a quantidade certa bombeada…

  • Falámos com o Imediato do Comando da PMF expondo-lhe a situação do Sector, esclarecendo que o serviço do Chefe do Sector era inútil durante o dia, só fazendo sentido durante a noite, altura em que os imigrantes ali desembarcavam ou vinha a nado da China.

  • O Imediato concordou com o nosso parecer autorizando um trabalho livre.

  • Nunca abusei desta facilidade e todos os dias passava lá muitas horas à noite, o que permitiu uma maior captura de imigrantes e um incremento na eficiência de serviço, factos estes que foram reconhecidos pelo Comando.

  • Entretando ocorreram alguns casos dignos de menção, referindo-me a um deles no capítulo PMF vs PJ.

  • Mesmo ali, naquele longínquo Sector, continuámos a ser assediados e perseguidos pelo tal Comissário.

  • Um dia dirigindo-me ao Sector na minha viatura particular, porque o mesmo não dispunha de viaturas de serviço, ao entrar no bairro da Areia Preta deparámos com obras na via que nos obrigaram a seguir para as Portas do Cerco, a fim de chegar ao Sector.

  • Eram quase nove horas quando cheguei à guarita. Passado pouco tempo recebia um telefonema do Comando para me apresentar ao Imediato. Para lá seguimos e como nada de mal tinhamos feito iamos com a consciência tranquila…

  • Fui informado pelo Imediato da participação que o Comissário tinha feito, por não me ter encontrado no Sector nessa manhã.

  • Fiquei perplexo, negando a acusação e explicando o que se tinha passado. Disse ainda que no trajecto que efectuara tinha-me cruzado com uma camioneta dos Serviços de Marinha e cumprimentado o pessoal que nela seguia.

  • Como era do seu conheciemnto, na noite anterior tinha estado no Sector até às quatro da manhã e detido um grande número de imigrantes. Além do mais, tinha-me autorizado a ter um horário de trabalho flexivél, para poder trabalhar de noite e de madrugada.

  • O Comissário alegara que ao rondar a zona não me tinha encontrado às 09.00 horas no local de trabalho e que ao perguntar aos patrulhas estes informaram que ainda não tinham visto o Subchefe, como se eu me tivesse de apresentar aos mesmos!…

  • Dissemos ao Imediato que estavamos fartos de ser perseguidos e que a partir daquele momento não ficariamos nem mais um minuto depois das 17.00 horas, expôndo-lhe até as razões daquela perseguição por parte do Comissário.

  • O Imediato que era uma pessoa justa e rectilínea elogiou os meus préstimos e mandou-me substítuir naquelas funções, colocando-me novamente no Terminal Marítimo.

  • Hoje em dia toda aquela zona foi completamente alterada, tendo desaparecido parte do mar bem como a Doca dos Holandeses. Novas avenidas foram rasgadas tendo sido construído um enorme bairro chamado “Iao On”.

  • Quando por lá passo já não me recordo onde eram as hortas nem do local onde ficava o fortim e a guarita, que me serviu como sede do Sector!…































































































































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