o mar do poeta

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terça-feira, maio 22

MEMÓRIAS DE UMA AGENTE EM MACAU - Parte 1


Em agosto de 1966 passei à disponibilidade em Macau, não regressando a Portugal com a Companhia de Caçadores 690 a que pertencia.

Decidi ficar em Macau, em virtude de a namorada que tinha em Portugal me ter trocado por outro amor, e fui trabalhar para uma agência de navegação que representava também vários produtos portugueses, o vencimento esse era muito menos de metade do que ganhava no exército como Furriel Miliciano, sem quaisquer regalias adicionais, mas era o primeiro passo de integração em Macau..

Foi uma experiência enriquecedora pois passei a tomar conhecimento "in loco" das realidades do território bem como das suas gentes para o que tive de aprender o dialecto cantonense.

Quando a oportunidade surgisse tentaria arranjar um emprego no Governo, para tal, e embora tivesse o Curso Comercial, matriculei-me no Liceu de Macau onde concluí o sétimo ano.

Nos primeiros dias do mês de dezembro de 1966 ocorreram vários tumultos de vulto em Macau, quando os comerciantes e serviços de transportes locais recusavam vender ou prestar serviços aos portugueses. Valeu-me nesta situação a minha namorada chinesa.

Tinha na altura vinte e dois anos e estes acontecimentos fizeram-me pensar maduramente no futuro.

Em maio do ano seguinte surgiu a oportunidade de ingressar na função pública, através das páginas do Boletim Oficial de Macau, onde era anunciado a abertura de concurso para o posto de Subchefe da Polícia de Segurança Pública

Reunindo todas as condições exigidas, enviei toda a documentação pedida, ficando aguardando a publicação no Boletim Oficial.

Fui chamado para frequentar um estágio de preparação, que frequentei durante um mês, três horas por dia.

Todas as matérias administradas eram já do meu conhecimento e como tal não tive qualquer dificuldades. Três antigos camaradas do exército, naturais de Macau, igualmente concorreram mas nenhum deles participou no est;ágio, não queriam dar-se a esse trabalho e eles lá sabiam o porquê...

Na noite anterior ao dia do concurso, esses meus antigos colegas me pediram que nos encontrasse/mos no restaurante Belo, sito na Avenida Almeida Ribeiro, afim de lhes dar umas lições sobre as matérias que iriam sair no concurso, e de boa fé o fiz.

Chegado o dia do concurso, que era constituído por três provas, uma escrita, outra pratica e a terceira oral, todas elas me correram da melhor forma e como tal esperava uma óptima classificação.

Isso não veio a acontecer porque fiquei colocado no décimo sétimo lugar, como se pode ver nos Avisos e Anúncios Oficiais, publicado em Boletim Oficial no. 24 de 17 de junho de 1967, havendo na altura somente dezasseis vagas.


Vim a saber mais tarde ter havido fraudes nas provas afim de beneficiar agentes de primeira classe da PSP e os meus ex-camaradas do exército!...

A razão era bem simples. Os agentes da PSP que tivessem concorrido por duas vezes e ficassem reprovados no terceiro concurso, ou foi o caso de alguns, passavam compulsivamente para a reforma.

Os meus ex-camaradas, que tinham até sido meus alunos no exército, ficaram classificados em décimo segundo e décimo quinto lugares, pelo "mérito de saberem jogar futebol"!

Não satisfeito com a classificação, através de um advogado tentei recorrer dos resultados do concurso, passado pouco tempo este declinou representar-me, bem como a alguns agentes da PSP, alegando fortes pressões vindas de instâncias superiores!

Juntamente com alguns agentes da PSO, também lesados no concurso, decidimos reclamar junto do Comandante da PSP, informando-o da fraude que existira no concurso, pois para além do dinheiro pago por vários agentes para terem boa classificação, vários menbros do júri não tinham comparecido nas provas práticas.

E por isso a maioria dos agentes concorrentes, que pouco ou nada sabiam e com apenas a quarta classe, apesar das provas desastrosas, como ficou provado na prova escrita, ficaram à minha frente e iriam ser promovidos em breve a Subchefes!

O Comandante, concorcando em parte comigo, disse-me que em breve iria ser aberto outro concurso e que nessa altura me daria uma vaga.

Esta resposta teve o condão de me irritar esclarecendo-o que estava ali para reclamar do concurso e não para pedir quaisquer favores, vinha somente pedir para se repor a verdade.

O concurso tinha a validade de dois anos, como mandava a lei, durante o primeiro ano foram promovidos a Subchefes dezasseis dos concorrentes, incluindo os meus dois ex-camaradas de armas.

O próximo a ser promovido seria eu, tendo ainda esperanças que isso viesse a acontecer.

Cheguei até a ser assediado por um Chefe da PSP que desejava reformar-se, se isso se verificasse a hipótese de eu entrar como Subchefe era bastante grande. Contudo o tal Chefe queria que eu e um outro Subchefe que também seria promovido a Chefe, lhe pagassemos cada um, a quantia de duas mil patacas!

Como se tratava de uma quantia exorbitante para a época, recusámos a oferta ficando aguardando a nossa vaga.

Ainda havia esperanças que entretanto se dissioaram quando o Boletim Oficial veio publicada uma Portaria anunciando que devido à má situação económica do Território, ficavam suspensas as entradas e promoções na Administração Pública.

Esta Portaria estava ferida de ilegalidade porque revogava um Decreto-Lei!

Tudo isto prova que naquela época tudo era possível fazer-se em Macau...

Quem fosse justo e andasse dentro da legalidade, acabaria certamente por ser prejudicado, como ocorrera no meu caso.  Se o advogado tivesse aceite a causa que o solicitei, o caso seria enviado para o Tribunal de Moçambique e as coisas levariam anos a serem resolvidas, facto esse que o causídico, pressionado pelas estâncias superiores recusou-se a seguir com o caso.

Passado um ano a situação financeira do Território já estava mais desafogada, sendo necessário preencher os quadros das polícias, tornou a ser aberto concurso para Subchefe da PSP, concurso esse que não quis participar, decidindo submeter-me às provas de acesso para agente de segunda classe da Polícia Marítima e Fiscal, tendo ficado sido classificado em primeiro lugar.

 Nunca mais pensei na PSP embora tivesse cárias oportunidades para poder concorrer novamente. A primeira experiência tinha sido tão negativa que me desinteressei completamente, mas vim a saber que o Chefe da Secretaria da PSP, um Comissário, devido aos fraudes no concurso a Subchefe a que me submeti e a um concurso de agentes de segunda classe para primeira classe, foi condenado a uns anos de prisão e expulso da PSP, porém a verdade desses mesmos concursos nunca foi reposta.

Foi assim que passei a ser um Polícia e durante o tempo em que pertenci aos quadros da PMF vi e aprendi imensas coisas.

Tentei sempre ser um Polícia exemplar embora talvez nem sempre o tenha conseguido. Este é o dilema das pessoas sérias.

Enfim, no entanto no computo geral, nem tudo foi negativo, embora tenha sido muitas vezes prejudicado devido às alterações havidas nos regulamentos sempre que cocorria a um posto superior.

Contra todos os regulamentos e leis em vigor desempenhei as funções de Adjunto e de Comandante de Divisão, funções essas que só podiam ser desempenhadas por um Comiss;ário Principal.

Isto não é um lamento mas apenas um desabafo, pois felizmente a pensão que recebo é suficiente para poder levar umna vida desafogada.

Podia ser melhor, mas para uma pessoa não ambiciosa no que diz resoeito à parte monetária chega para se ir vivendo.
Haja saúde.

Nos episódios seguintes irei relatar algumas passagens interessantes, vividas como Polícia, podendo os prezados leitores tiraram as suas conclusões.




8 comentários:

Henrique António Pedro disse...

Uma vida rica e digna e merecedora de ser reportada, sem dúvida.
Aplaudo.

Abraço

António Manuel Fontes Cambeta disse...

Estimado Amigo e Ilustre Poeta Henrique Pedro,
Vou tentar passar para o blog, foi uma vida enriquecedora, mas muito lutei contra o crime e corrupção, sem medo de represálias, mas o que ganhei foi inimigos.
Sempre fui frontal e cumpridor de meus deveres, mas só pouco tempo antes, e a meu pedido, de sair da Polícia, e que fui alvo das maiores condecorações do Território, por parte de alguns governadores.
Abraço amigo

tulipa disse...

Estimado Amigo

Tem razão em dizer que a sua vida dava um livro,
mais que um, vários.

Sei bem as injustiças na Função Pública, também eu fui vitima de algumas...
quem é sério e honesto,
não se safa

Está absorvido com o relatar de suas histórias de vida.

Não sei se reparou que lhe enviei um mail, pedindo-lhe se pode escrever um comentário sobre as 3 imagens que coloquei no ultimo post sobre comida na Tailândia, para me elucidar e também ajudar quem lê a perceber do que se trata.
É um enorme favor que me faz.

Agradeço as explicações sobre o Rei - considerado um Deus e nada se pode dizer contra a monarquia!

Abraço amigo

Graça Sampaio disse...

Uma história de vida. Muito bem! Pelos vistos, fez muito bem em seguir esse caminho.

Beijinho

Prof.Ms. João Paulo de Oliveira disse...

Estimado confrade e amigo António Cambeta!
Fiquei exasperado ao saber das sórdidas maracutaias que o deixaram em desvantagem num concurso público de cartas marcadas.
Caloroso abraço! Saudações transparentes!
Até breve...
João paulo de Oliveira
Diadema-SP

António Manuel Fontes Cambeta disse...

Estimada Amiga Graça Sampaio,
Não estou arrependido de ter ingressado na PMF, passando de cavalo para burro, mas felizmente e a muito custo consegui subir na vida, onde aprendi imenso com as coisas do mar, e a psicologia e a malvadez dos homens.
Obrigado por seu gentil comentário.
Abraço amigo

António Manuel Fontes Cambeta disse...

Estimado Confrade e Ilustre Prof. João Paulo,
Macau era assim nos tempos da administração portuguesa padrinhagem e corrupção.
Não comecei a carreira policial como Subchefe mas sim como agente de 2a. classe, mas subi a custo a corda a pulso, sem padrinhos e sem favores.
Abraço amigo

António Manuel Fontes Cambeta disse...

Estimada Amiga e Ilustre GFotografa Ester Afonso,
O meu muito obrigado pelo seu gentil comentário.
Sim, si as fotos, mas por mais que tentasse adivinhar o que estavam a assar não cheguei a conclusão nenhuma, pois eles assam de tudo um pouco, mas bananas não eram, mas irei saber junto de minhas filhas e depois a informarei,
Abraço amigo