Estáva-mos no mês de Julho do ano de 1991, o dia está lindo e o mar calmo e sereno, mais parecia um espelho, o que em termos náuticos lhe chama-mos mar de patas. O dia se foi passando calmamente sem trabalho algum.
Tinha-mos feito uma longa ronda a todo o exterior da costa de Macau e como nada de anormal tivesse sido detectado fomos fundear a vedeta perto da ponte da central eléctrica de Coloane, em Ká Hó.
O dia ia caminhando calmamente para o seu crepúsculo, tinha sido um dia bastante calmo sem terem sido detectadas algumas embarcações de refugiados vietnamitas, como tal, desloquei-me para o meu alojamento, sito na parte na parte baixa da vedeta afim de fazer alguns relatórios e descansar um pouco pois o dia ainda ia longo e durante a noite não sabia o que ainda haveria de acontecer.
Estava eu concentrado e calmamente sentado junto à minha secretária quando senti a vedeta balancear violentamente, levando a que o cadeirão de rodas onde me encontrava sentado rola-se indo embater violentamente no meu beliche.
Nesse momento pensei que tivesse sido alguma embarcação de maiores dimensões que tivesse passado perto de nós e sua ondulação nos tivesse feito balancear daquela forma, mas pensando bem não podia ter sucedido pois encontravamos fundeados num local onde não havia local para a passagem de embarcações.
O balanço se repetiu por várias vezes e desejando indagar a razão daquele violento balancear me dirigi à ponte de comando, onde encontrei o meu imediato e toda a guarnição.
Olhei para o mar e então fiquei pasmado com o que olhos poderem ver, nunca tinha visto algo semelhante e então indaguei junto do meu imediato a razão porque não me tinha chamado devido à gravidade da situação, ele me respondeu que não me desejava incomodar, pois segundo a sua versão era somente um Sek Pak Sek Vu, o que quer dizer, um tufão ali formado e ainda não detectado pelos serviços de metereologia e como tal na sua opinião não haveria perigo algum.
Os motores da vedeta estavam ligados e o pessoal estava todo a postos para o que desse e viesse.
A vedeta balançava fortemente, tanto que as balustradas de ambos os bordos rasavam as altaneiras ondas, quando o vento mudava, pois estava em constante mutação era a proa que afocinhava violentamente nas águas mais parecendo um submarino, de outras vezes era a popa.
Nas minhas lides no mar durante anos nunca tinha passado por situações daquelas, pelo que dei ordem para que todo o pessoal envergasse colete de salvação, já que dali não podiamos sair visto que para se poder levantar ferro necessário seria ter que um agente ir desloca-se até à proa e ali sim carregar no botão do motor eléctrico, mas naquele momento era impossivel fazê-lo.
Começou a chover torrencialmente, os estrondosos som dos trovões se faziam ouvir e os relampagos eram uma constante cujos raios caiam bem perto da vedeta.
Por essa altura vimos uma embarcação de pesca de dimensões razoáveis, desgovernada, e que rumava em nossa direcção. O meu coração quase deixou de bater, pois estava vendo que o fim estava perto.
Liguei o projector e autofalante, fazendo sinais e chamando à atenção aos pescadores, mas não obtinha resposta alguma e a embarcação continuava rumando em nossa direcção.
Justamente nessa altura, através da radio, recebia uma comunicação do comando informando que junto da praia de Hac Sá havia uma embarcação com refugiados vietnamitas e era urgente seguir para lá afim de dar apoio e evitar que os refugiados desembarcassem.
Em Macau desconheciam a situação por que estavamos a passar e então eu, informei que estávamos debaixo de uma tempestade e que também estavamos necessitados de auxilio, o oficial de dia ao Comando repetiu de novo a ordem, intimando-me para que seguisse para o local indicado imediatamente.
Eu fiquei aborrecido e tão zangado fiquei que através da fonia, mandei para o caralho o oficial, que tinha a mesma graduação do que eu.
Os relampados iluminavam todo o mar e os raios não paravam de cair, embatiam nas águas e serpenteavam pela superficie até bem perto da nossa vedeta, o que tornava o espectáculo impressionante.
Não parava-mos de fazer sinais e emitindo mensagens para a embarcação de pesca que perigosamente se ia aproximando ainda mais de nós, mas sem obter-mos resposta alguma.
Miraculosamente a embarcação de pesca guinou um pouco e passou arrasando a balustrada de bombordo provocando ainda alguns estragos de monta, mas sem por em perigo a vedeta ou a tripulação, mas a embarcação de pesca foi embater com imensa violência nos molhes junto à ponte da CEM e vimos depois alguns tripulantes saltarem para terra firme, ficando a embarcação abandonada e devido a tantos abalroamentos nos molhes que lhe causou profundos rombos que a levou a afundar-se, e nós sem nada poder-mos fazer.
O tempo ainda continuou assim por cerca de mais meia hora, quando as vagas abrandam dei ordem para que fosse amarrado um cabo ao corpo de um agente e que ele ratejando fosse até à proa afim de levantar ferro.
Felizmente conseguiu e eu nem deixei que o ferro fosse completamente içado, dei toda a força a vante aos motores e rápidamente dali saimos, indo fundear num local seguro junto à ponte que ligava Macau à ilha da Taipa e ali permanecemos toda a noite.
Quando o tempo o permitiu dali saimos e fomos lá para a praia de Hac Sá que ficava ainda bem longe e então recolhemos os tripulantes da embarcação vietnamita, eram num total de 138, entre mulheres crianças e homens, que se encontravam todos bem, pois o Sek Pak Sek Vu não tinha passado por aquele local.
Rebocada a embarcação para a ponte de Coloane dela fizémos entrega ao pessoal do Posto informando-os quando o tempo permitisse ali regressariamos para levar a embarcação e os refugiados para fora das águas de Macau, isto é levá-los até bem perto de Hong-Kong. O que só veio a acontecer na manhã do dia seguinte.
Nas lides do mar os perigos são uma constante, e desta vez não ganha-mos para o susto, mas casos idênticos se repetiram no mesmo local ainda mais algumas vezes.
Tufões com ventos superiores a 200 quilometros também os passei embarcado naquela casca de nóz que comandava, felizmente que só por lá andei uns meses mais, tenho desembarcado e ido assumir as funções de Comandante de Divisão Policial e Fiscal até Agosto de 1992 data em que me reformei, mas nunca esquecerei os perigos por que passei ao longo dos vinte e cinco anos que andei nos mares da China e pelo Oceano Pacifico que de calmo só tem o nome.
Macau é assim, todos os anos passa pela época das monções e muitos tufões tem que aguentar, mas hoje em dia as coisas estão bem melhores pois quando os mesmos entram dentro de um raio de 200 quilometros os serviços de metereologia dá o aviso e são tomadas todas as percauções ao contrário de antigamente, onde muitas das vedetas nem radar tinham.
Agora em terra olhando para o mar, pois vivo defronte dele, grato lhe fico por ter sido tão benevolente para comigo e o respeito e o adoro.
Um dia a Mondego, fui comandar
Não pensem que é o rio,
pois esse jamais se viu
por estas bandas passar
Mondego era uma vedeta
da Polícia Marítima e Fiscal
que eu comandei com firmeza
até comissão terminar.
Um português embarcado
com chineses a trabalhar,
tive que ser delicado
para as coisas melhorar.
Primeiro a alimentação,
foi necessário mudar
Essa, uma condição
para melhor trabalhar.
Comida portuguesa,
essa à mesa apareceu,
desaparecendo a fraqueza,
a guarnição apreciou e comeu.
O pessoal aprendeu,
nossa maneira de cozinhar,
para ensinar estava eu
comida portuguesa veio para ficar.
Agora, bem alimentado
e com disciplina a rigor
nossa missão,foi um tratado
cumprida com sacrifício e amor.
Dias calmos, nós passamos
outros de arrepiar,
Graças à Deus nos safamos
pois com o mar não se pode brincar.
Tufões e tempestades passei
nos anos que lá andei,
imigrantes capturando
e Boat people ajudando.
Muito trabalho passei,
ondas tive que sulcar
no mar da China naveguei,
Rio das pérolas aportar.
Vários anos por lá andei,
e nunca me neguei
a malfeitores capturar
sempre no mar a navegar.
Foram imigrantes ilegais,
contrabandistas sem temor.
Cadáveres e tudo o mais,
vietnamitas, esse pavor.
No mar a vida é de sacrifício,
mas foi esse o meu ofício,
nada tenho a lamentar,
pois é belo ver o azul do mar...
Ao comando da divisão,
só tenho que agradecer, e
ao pessoal da guarnição
por tanto por mim fazer.
Minha comissão terminei,
à terra então regressei.
O mar para sempre deixei,
e por fim, me reformei.
Recordo com nostalgia,
tempos no mar passado
Onde lá, eu tudo via
desde o mar, ao céu estrelado.
A Mondego por lá continua,
pois essa é sina sua,
no mar continuar,
e no mar da China navegar.
7 comentários:
Nossa heim? que história! Histórias fascinantes que vem do mar!
Obrigada pelos posts de "melhoras" em meu blog, já estamos curadas, eu e as chicas.
abraços, Patricia
Estimada Amiga Patricia e suas princesinhas, o meu muito obrigado por seu gentil comentário.
Contente fiquei ao saber que tanto a mamáe com as chicas se encontram bem de saúde.
Todo o marinheiro tem imensas histórias para contar, este que posrei é apenas um pequeno capítulo de um romance com o mar.
Abraço amigo
Tempos duros esses que passas-te!... felizmente tudo passou e hoje ficam as recordações, umas boas outras más, mas a vida é assim.
Um beijão grande
Linita
Estimado confrade e amigo António Cambeta!
Agradeço sobremaneira sua deferência em nos brindar com memórias quando você estava sob a égide de Netuno e ele o protegeu dos efeitos nefastos do tufão citado... Aqui entre nós estas raras intempéries são conhecidas como ciclones.
Caloroso abraço! Saudações incólumes!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Diadema-SP
Era o suficiente para eu me borrar pelas pernas abaixo!!
Hoje em dia, com a detecção precoce destes fenómenos, algo de semelhante é impensável.
Um abraço
Estimado Confrade e Ilustre Prof.João Paulo,
O meu sincero muito obrigado por seu gentil comentário.
Embora não viva mais sob a régia de Neptuno, ando sempre com o arpão na mão.
Abração amigo
Estimado Amigo Pedro Coimbra,
Até ao ano em que me aposentei, 1992, as coisas eram assim.
Esses pequenos fenonemos metereologicos os serviços de Macau não tem equipamentos para os detectar.
A vida de um polícia tem muito que se lhe diga, não como aquele que tapou a camara do jornalista.
Ser polícia tem que se ter vocação, ser-se honesto e cumpridor do seu dever, ajudando e protegendo a população, esse foi sempre o meu lema, e como saberá quem assim proceder em Macau é mal visto e só cria inimigos.
Abraço amigo
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