o mar do poeta

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sexta-feira, fevereiro 25

MUSEUS DOS CANHÕES

Monday, September 22, 2008

MUSEU DE CANHÕES NUM JARDIM DO MINISTÉRIO DA DEFESA DA TAILÂNDIA


O imponente edifício do Ministério da Defesa da Tailândia

Quem tenha visitado o "Grande Palácio", uma das sete maravilhas do mundo, na cidade de Banguecoque,
certamente quando se dirigia para o local, a seu lado direito, deve ter dado conta de um largo jardim, muito bem cuidado, com peças de fogo expostas, antigas, em seus suportes ou em carretas de duas rodas. Aquele jardim, tratado com esmêro, pertence ao Ministério de Defesa da Tailândia. Sem nos aventurarmos a classificá-lo, poder-se-à, cremos, considerá-lo um dos maiores do mundo. Aquele jardim/museu de guerra não está à disponibilidade do público. Podem, porém, os canhões ail expostos ser fotografos do passeio e como óbvio não se colhem as imagens com qualidade se dentro estivesse, dele a faze-las. Mas as peças de artilharia podem ser fotografadas desde que uma organização vocacionada para para a cultura, missão diplomática, acreditada no Reino da Tailândia, se dirigir por carta ao departamento de defesa. Compreende-se e natural que assim seja dado que dentro de um enorme edifício, construído em 1891 (reinado de Rama V, Rei Chulalongkorn), cujo traço pertence ao General Gerolamo Emílio Gerini, de nacionalidade italiana. Em 1986, acompanhei a jornalista Judite de Sousa, da RTP e no ano seguinte o jornalista da TDM (televisão de Macau), Avelino Rodrigues, para filmarem os canhões e completarem os seus trabalhos em cima das relações históricas entre Portugal e a Tailândia. Na altura o pedido tinha sido feito antes, por nota verbal, directa ao Ministério de Defesa, e assinada pelo punho do chefe de missão, de então, o embaixador José Eduardo de Mello-Gouveia para que fosse facilitado acesso ao "Jardim de Artilharia". Eu tinha interesse de lá voltar outra vez e fotografar todo aquele material, onde me parecia estarem expostas bocas de fogo portuguesas, isto porque Portugal foi o primeiro país da Europa a introduzir a artilharia, moderna, e as espingardas no Reino do Sião, logo após, ter travado relações, em 1511, com o Rei Rama Thibodi II, na segunda capital, Ayuthaya. Por carta, em Abril do ano corrente, dirigi-me ao embaixador e chefe da missão diplomática de Portugal na Tailândia, António de Faria e Maya e graças a seu empenhamento, pouco tempo depois, estava a fotografar os canhões do jardim do Ministério da Defesa. Vasculhando, as cópias, de documentação antiga (autorizado a faze-las por despacho do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, consulado do embaixador Sebastião de Castello-Branco), vou encontrar uma nota do cônsul, de Portugal, do Dr. Joaquim Campos, datada em 12 de Maio de 1939, em que se dirigia ao Ministério dos Negócios dos Estrangeiros da Tailândia, a solicitar, os bons ofícios, para que fosse ao jardim do Ministério de Defesa, obter imagem de dois canhões portugueses que ali estavam expostos. Acrescentava, ainda, o Dr. Joaquim Campos que tinha tido conhecimento do facto num artigo publicado no jornal da "Siam Society". Ora o Dr. Joaquim Campos além de ser cônsul de Portugal e médico era um históriador, por vocação, e mérito e o primeiro historiador, português, que escreveu, em língua inglesa, um brilhante artigo, publicado numa obra, editada pela Siam Society, em 1959 (quando infelizmente, o dr. Campos já não pertencia ao mundo dos vivos), com o título: "Early Portugueses Accounts of Thailand". Não chegamos a saber se de facto o historiador foi lá recolher imagens, aos canhões portugueses, porque nunca encontramos outros documentos, a não ser este, cuja imagem está aposta. Depois de obtida a autorização, que me foi dada verbalmente, pelo telefone, pela secretária, Pralom, do embaixador Faria e Maya, à hora certa, numa manhã, estava no local, acompanhado de minha mulher Kanda, para vencer a barreira de língua, caso fosse necessário. Fomos excelentemente recebidos, por dois oficiais do exército tailandês, uma senhora e um senhor e ainda um jovem, da casa dos vinte e poucos anos, de nome Silirat Wong Par, com uma máquina fotográfica pendurada ao ombro que me viria oferecer um excelente livro, que descreve a história da artilharia desde os primórdios que foi introduzida no Reino do Sião. O pai de Silirat Wong Par, médico de profissão, é um daqueles doentes, apaixonados pela artilharia. Edição de luxo, fotografias de excelente qualidade, 304 páginas e editados, em língua, tailandesa, apenas 3.500 exemplares. Livros foram distribuídos, por instituições, tailandesas, de educação e para assim a história da artilharia se mantenha viva na Tailândia. Pena, seja, que este excelente livro não seja traduzido para a língua inglesa (já que mais não fosse), reeditado, porque seria uma obra meritosa. Fotografei todas as peças, sem qualquer restrição, expostas naquele jardim de cuidado esmerado, só foi pena que aquela manhã, surgisse sem sol, que melhor teriam ficado as imagens obtidas. O livro, mesmo escrito na língua tailandesa, diz-me muito e a oportunidade de entendermos os princípios do uso da artilharia no antigo Reino do Sião. Os siameses eram pessoas de uma imaginação fértil e depois de terem conhecido os princípios da artilharia há que inventar sistemas para a fazer operar e usá-la. Vamos assim encontrar peças de fogo ligeiro, montadas no dorso de elefantes, com dois artilheiros e o homem que dirigia a besta de guerra. Imagem ao lado inserida, retirada de um mural, algures pintada na parede de um templo, onde os artista de uma época, exprimiam a vida do povo siamês. Os siameses, usam a artilharia, conforme as circunstâncias que de momento se lhes depara para se defenderem contra o seu inimigo, tradicional, do Reino do Pegu. Não basta só as peças de artilharia colocadas em cima do dorso de elefantes, mas os siamesa aplicam-nas em termos manuais. Eles aprenderam a arte de fundição, do ferro coado e do bronze com portugueses, em Ayuthaya. A soberania do território terá que ser preservada e a vida dos reis também. Porém, os siameses poderão ter os seus embates, políticos, internos, mas quando a soberania territorial está em perigo, esquecem as divergências, internas e apenas existe o sentido de defender a nação. Terminei, por agora, a "A rota dos canhões", que a iniciei a partir do fundidor Manuel Tavares Bocarro até à artilharia no Reino do Sião, introduzida pelos portugueses. Não sou técnico sobre a matéria de canhões, mas produzi um trabalho de reportagem que pode ser últil para os novos historiadores. Foram 21 partes, muitas horas de sono perdidas e investigação procurada, que graças ao meu arquivo, pessoal (franqueado a todos) e trabalho de 25 anos, foram conseguidas as fotografias que ilustraram mais de 500 páginas.
José Martins

NA ROTA DOS CANHÕES 1a. Parte

Wednesday, July 02, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL TAVARES BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

Parte 1
Manuel Tavares Bocarro o maior artesão, português, na arte de fundição de bocas de fogo, foi o grande ignorado. Poucos portugueses conhecem a história de sua vida. Manuel Bocarro de descendência judaica, por via disto, o seu nome e sua arte de fundidor foi-lhe sendo negada, ao longo de sua vida, a divulgação a que isto se ficou a dever à forte influência da igreja, no sistema, governativo, da corte portuguesa. Suas bocas de fogo, não só equiparam as ameias de fortes em toda Ásia, transportadas para Portugal e outras, para sempre, na base do mar devido aos naufrágios. Temos, há mais de 20 anos, na nossa biblioteca particular a única obra que conhecemos "Manuel Bocarro o Grande Fundidor" de autoria de N. Valdevez - Publicações da Comissão de História Militar- Lisboa MCMLXXXI, que apenas lhe tinhamos passado uma vista de olhos. Como nos propusemos fazer um pequeno trabalho, sobre os canhões, armas e ameias portuguesas na Tailândia esta obra é de primordial importância que muito me irá auxiliar. Entretanto procuramos na Internet e poucas referências encontramos sobre Manuel Tavares Bocarro a não ser algo que eu teria, escrito e feito circular neste blogue e no nosso website http://www.aquimaria.com/. Manuel Bocarro, sem haver a certeza, o seu bisavô materno, teria sido Estevâo Bocarro, cujo seu nome aparece na obra "Ásia Portuguesa", de Manuel Faria e Sousa, página 185, XXIV: - "Porque deu uma sentença contra Estêvão Bocarro, e logo a revogou"? Num processo em que teria sido acusado, de culpas, cujo o arguído, era o Governador da Índia, Lopo Vaz de Sampaio (1526-1529). Pesavam sobre o Lopo Vaz, pesadas culpas: "não autorizar Afonso Mexia entrasse em Cochim e acabou por o prender; ter aceite um valioso presente do muçulmano Raez Xarafo; não ter feito justiça a dois judeus e entre outras, graves acusações, incluiam-se actos de corrupção e a venda de uma nau em Ormuz e escondeu, a quem de direito, a transação." O Lopo Vaz, um heroi nos mares da Índia, expediu armadas para muitos lugares, conquistou Tidore, Mangalore e Bombaim. Os seus feitos levou-o a seguir maus caminhos. O Governador Nuno da Cunha, prendeu-o em Goa e enviou-o, a ferros, para Lisboa onde acabaria de vir a sofrer as maiores humilhações e torturas. Em sua defesa, perante o Rei afirmou-lhe: " No processo de culpar-me e ouvir-me se hão violado as vossas justíssimas leis que até alteração nelas se inovou para perseguir-me e molestar-me" (Ferreira Martins in: Crónica dos Vice-Reis e Governadores da Índia, p.284, A única carta que se tem conhecimento (e que vamos transcrever quando terminarmos este trabalho), escrita por Manuel Tavares Bocarro diz ser "filho de pais e avós honrados e que, entre os da sua geração, não faltavam fidalgos". Seu avô paterno, o fundidor Francisco Dias, o irmão de João Dias, o tio Baltazar Gomes e António Gomes Feo, todos fundidores de artilharia. Francisco Dias partira para a Índia em meados do século XVI, como carpinteiro das naus. Porém, pouco tempo depois, seria colocado nas fundições da Ribeira de Goa e em 1560 era já mestre. Viria, segundo se aventa, a casar com uma filha de Estevão Bocarro e julga-se que o casal teria tido três filhas, Domingas, Helena e Inês e três filhos; Pedro - que talvez fosse o primogénito - Simão e Francisco. Todos são referidos, em documentação, do século XVI, com o apelido Bocarro. Acontece, porém, que a carta régia de 14 de Abril de 1626 é de acreditar quando designa que Francisco Dias Bocarro era filho de Pedro Dias Bocarro e, assim, neto de Francisco Dias. Uma carta régia com a data de 1587, enviada para Goa, informava, o Rei, que dado o Francisco Dias estar enfermo e cansado, dois fundidores seriam despachados de Portugal para Goa com a finalidade de o substituir. Entretanto o governador D. Duarte de Meneses, entendeu, pelo melhor que o lugar do velho fundidor Francisco Dias, fosse tomado pelo seu filho Pedro Dias Bocarro. A sua nomeação, como mestre da fundição de artilharia do Estado da Índia, teria sido por alturas de 1588. Cargo depois confirmado pelo Rei Filipe I, em carta régia de 12 de Outubro de 1599. Pedro Dias Bocarro, seria pouco depois da sua nomeação, enviado para Chaul com a finalidade de restaurar e desenvolver as fundições de artilharia, ali estabelecidas. Um documento datado em 1633, as fundições estariam sob o cargo dos missionários Jesuítas da Companhia de Jesus. O único canhão, conhecido e fundido por Pedro Dias Bocarro nas fundições de Chaul, tem a data de 1594 e uma peça, portuguesa, das mais bonitas, naquela época. Ficou conhecido pelo "Canhão de Chaul" e mais tarde, em 1843, foi "pilhado" pelos ingleses em Hyderable, levado para a Inglaterra, exposto na "Torre de Londres" e exibido como um magnífico troféu de guerra. Depois da fundição do "Canhão de Chaul", Pedro Dias Bocarro voltou para Goa. Certamente o seu regresso se deve ao facto de ser casado e não desejar manter-se afastado da mulher. Aventa-se que o apelido Tavares, genéricamente, pertencia a Belchior de Sousa Tavares, um homem de feitos e capitão-mor do mar de Ormuz, ou então, segundo Germano Correia, " História da Colonização Portuguesa na Índia" Agência Geral do Ultramar - Lisboa MCMLI, na pag. 467 refere: "FAMÍLIA GOUVEIA TAVARES - Francisco Tavares e D. Merciana de Gouveia eram cônjugues que constituiam este nobre casal metropolitano, que, em data incerta, se expatriou para o Oriente", Germano Correio extraiu esta informação do Livro-alardo nº1,fl. 179 - Arsenal de Goa. Manuel Tavares Bocarro o filho primogénito do casal Tavares-Bocarro e neto do velho mestre fundidor, Francisco Dias, será o continuador de uma família de artesões na arte de fundir bocas de fogo. Em Goa, seu pai, Pedro Dias Bocarro fundiu seis peças de grande cumprimento e corpo grosso, mas não lhe teriam dado grandes lucros. Numa carta, dirigida ao Rei informáva-o: "com vontade e diligência, acabava por pedir uma mercê, por sua muita pobreza". Ora o Manuel Tavares Bocarro aprende a arte e o segredo de bem fundir canhões ao lado seu pai, Pedro Dias Bocarro, que executava as mais belas peças de artilharia. Uma das magnificas obras foi uma colubrina em 1595, onde tinha estampada a imagem de Santa Catarina, movimenta-se, entre duas rodas de navalhas. Relatos da época, era dada como um canhão de rara perfeição. Seria por isso que a peça de fogo, de grosso calibre, foi conservada por três séculos e meio. O Governador da Índia (1841) José Joaquim Lopes Lima, para compensar o défice existente no cofre de Goa, ordenou que fosse derretida e cunhada moeda. Outros canhões e sinos fundiu Pedro Bocarro, em Goa, mas depois do "Canhão de Chaul", mais três colubrinas, dos anos de 1622 e 1623, encontram-se no Castelo de S. Jorge, no Brasil e no Museu Militar de Lisboa; três sinos: um na torre da Igreja de Ternate, outro o "Sino da Dignidade", na Sé Catedral de Goa e ainda mais outro na Igreja de S.Pedro, em Malaca (fundições de 1603,1605 e 1608). Em finais do século XIX, o major Perry da Câmara, num artigo intitulado: "Distrito de Cabo Delgado" (Moçambique), publicado no Bol. da Soc. de Geografia de Lisboa, pag. 77 (1886), havia na Ilha de Zanzibar, oito peças portuguesas, e duas deveriam ter saído da fundição de Pedro Bocarro. No princípio do século XX, viajantes portugueses que visitaram aquela ilha, teriam observado, três peças de artilharia com inscrições portuguesas que tinham sido fundidas em ferro, porque se fossem em bronze, de certo que não estariam por ali abandonadas. Nos anos de 1980, o autor deste artigo, encontrou num forte, em Baticoloa, na parte central/Este de Ceilão (Sri Lanka), diversas bocas de grosso calibre, em ferro, junto à enbocadura de um rio que defendia a intrusão do inimigo pelo mar. Porém, na altura, ainda não tinha a inclinação e paixão, que hoje temos, no estudo da história da expansão portuguesa na Ásia. Bem pena temos disso porque teríamos examinado essas peças, numa pequena terra, Baticoloa, onde a passagem dos portugueses estava bem arreigada e até, com o orgulho, passado de várias gerações, entre a população, de os portugueses terem passado pela ilha, onde várias palavras portuguesas estavam adiccionadas à língua local.
Continua este trabalho que será longo em artigos seguintes.

Obs. Só é possível levar-se a cabo um trabalho deste, através de muita informação recolhida e até, muitas vezes, temos que recorrer a certos "plágios", inocentes, que cozinhamos à nossa maneira. Penso que a informação que vou recolhendo, os autores (honra a eles mesmo mortos), já não pertencem ao número dos vivos. O meu objectivo é apenas que os meus fracos relatos, venham a contribuir para avivar a memória dos portugueses, de agora, que os do passado foram Homens de valor na Ásia e Oriente depois de 1498 e de quando Vasco da Gama, chegou à Índia, pela rota do Cabo da Boa Esperança. Pobre Povo, de uma nação, que ignora a história dos seus Homens. Todas as sociedades com o correr do séculos se vão deteriorando. A portuguesa é um facto! Principiou a decair (somos democrata e respeito pela liberdade) desde o dia 25 de Abril de 1974. Os grandes impérios também cairam: "os do Incas, dos Índios das Américas, o dos Romanos e o dos Otomanos. Mas o pequenino império, Portugal, que foi enorme será necessário que não "tombe" a história e por isso aqui estamos...
José Martins
Imagens: Extraídas com a devida vénia: "História das Fortificações Portuguesas no Mundo" Edição Publicações ALFA e Vice-Reis e Governadores da Índia Portuguesa - Francisco Xavier Valeriano de Sá - Editado em Macau "Por ocasião das Comomerações do V Centenário da Chegada à Índia da Armada de Vasco da Gama.

NA ROTA DOS CANHÕES 2a. Parte

Monday, July 07, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

PARTE 2ª
A evolução da fundição de artilharia de bronze, em quantidades industriais, em Portugal, deveria ter início na década de setenta do século XV. Entretanto são conhecidas peças fundidas nos primeiros anos deste século, apresentando-se com grande perfeição que não são inferiores às peças importadas do estrangeiro. Surge em Portugal uma nova era e classes de artesões,na arte de fundição com as suas ofícinas próprias. Em 1572 os fundidores principiam a ser regidos por um instrumento próprio.
"Hoje, aos comtemplarmos os canhões em exposição no Museu Militar de Lisboa, no Museu da Marinha ou os que se amontoam em pequenos museus e velhas fortalezas ou, ainda, os que embelezam jardins e lugares públicos, não podemos deixar de manifestar o nosso espanto a uma muito admiração perante a beleza e esmerada técnica com que foram feitos" (N. Valdez dos Santos - Manuel Bocarro o Grande Fundidor, pag 13)
Distinguem-se na época os mestres na arte da fundição: Diogo Garcia, Anes Fernandes, Pero Figueira e outros nomes. Com o correr do tempo, ficaram no esquecimento. Indústrias famíliares que passam de pais para filhos, onde, com especial, destaque para as dos Dias, dos Álvares, dos Anes, dos Gomes e dos Bocarros se firmam nesta arte. Fundem por cerca de um século "formosas" peças em bronze: o Tigre, o Dragão, o Selvagem e outras mais. A fundição de canhões em Portugal começa a ganhar as suas próprias raízes e está consolidada. Mas, bruscamente, todas as fundições deixam de operar. Era o protesto, dos fundidores; o seu orgulho nacional e das populações se encontrar ferido pela usurpação da coroa portuguesa pelos espanhois. Eles tinham contribuído, em muito, para as vitórias de Portugal no norte de África, costas do Atlântico do Índico e Ásia. Portugal atravessava a era de ouro e de abundância. São passados oitenta anos depois da descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, Portugal gozava de prestígio, impar, na Europa, mas a morte de D. Sebastião, na Batalha de Alcácer Kibir, a traição do Cardeal D. Henrique, doar a coroa portuguesa à espanhola, viria a criar feridas profundas e o desânimo na sociedade portuguesa. O sentimento estende-se aos fundidores, metropolitanos e como forma de protesto e humilhados com a perda da soberania, em 1580, paralizam as suas fundições. Acontece o primeiro protesto da população de Lisboa que teve lugar em Alcântara e viria a ser abortado o que nos leva a crer pelas autoridades, portuguesa, já subjugadas à corte de Filipe I. O povo não aceitava estar sob, os destinos, da coroa espanhola, pelo motivo de ver os seus navios, as armaduras, os canhões e mais apetrechos usados nas guerras, pelos soldados portugueses, levados para Espanha. Os portugueses construiram as suas naus, fabricaram as armas; fundiram os seus canhões e reagiram à espoliação, infame de Espanha. Não desejavam, os portugueses, colocarem-se ao lado do invasor continuando a produzir material de guerra já que este viria a ser, depois, usado contra a eles próprios. O desinteresse está absolutamente generalizado e o patriotismo (enorme) que seguia dentro da alma portugesa não lhes permitia manter as forjas, malhar o ferro, acender os fornos de fundição e produzir bocas de fogo. Preferiam sofrer a precaridade do viver do que aliaram-se aos espanhois. Entram então em acção os reis espanhois e obriga os fundidores voltar às oficinas. A primeira ordem teria sido 11 anos depois da ocupação, seguindo-se outras em 1594 e 1604. Anos depois, Filipe II lamentava-se: "que antes em Lisboa, das muitas casas de fundição e de muitos fundidores existentes, só havia cinco e um, só, se encontrava em actividade e com a mínima produção". N.Valdez dos Santos: "Quem hoje contempla, no Museu Militar de Lisboa, um canhão de Pero Figueira, fundido em 1578, com toda a sua suficiência e habilidade em 1578, cheio de arte e de técnica e, depois, se se recordar dos dois pequenos canhões que estavam no Museu de Angola, feitos por ordem do rei de Espanha e com a obrigação, jurada aos "santos evangelhos que bem e verdadeiramente" serviria a fundição, poderá avaliar toda a tragédia dos fundidores portugueses. A arte, ao aformoseamento e à radiosa esperança do primeiro canhão de Pero Figueira, opõe-se uma menor perfeição dos segundos onde laconicamente, o fundidor se limitou a gravar, sobe o escudo real português, suportado por três anjos de asas protectoras, a simples legenda: PHILIPVS REX ESPANIARVM e o seu nome seguido da palavra LVZITANVS, simbolizando bem o espiríto português perante a ocupação filipina"
A resistência, passiva, portuguesa está generalizada e não pretende fundir canhões que com isto iria aumentar o poderio militar espanhol e a repressão. Esta iria manter-se por vários anos. Porém os reis de Espanha não desarmam, emitem ordens taxativas, criam medidas de protecção aos fundidores, concedendo-lhes várias regalias e despacham para Lisboa os seus melhores artistas de fundição de Espanha: João Vautrier, Fernando Ballesteros e Matias Escortim, sem contudo os mestres espanhois, mesmo com privilégios e o envio de mestres espanhois a fundição de canhões em Lisboa não foi reavivada. De um a um os fundidores portugueses foram desaparecendo. Arte e a experiência de mais de um século foi-se igualmente. Nas terras que Portugal se foi fixando com fortes e feitorias a coisa já não se passava como em Lisboa as fundições mantinham-se a laborar e a produzir, em menos escala, bocas de fogo para se defenderem contra os turcos, holandeses, ingleses.
O rei de Espanha não desarma e, também, não está no seu pensamento usar a violência em obrigar os fundidores e fabricantes da espingardia à força. As cartas de Madrid era um constante para o Terreiro do Paço com os pedido de incrementação de material bélico e âncoras. São decretadas ordens para o justo pagamento do material fabricado e concedendo regalias aos fundidores. A produção em Goa, como em Lisboa, tinha entrado em decadência. O Mestre da Fundição Real, Pedro Dias Bocarro, mesmo sob o desânimo ainda fundiu um número de peças superior a um milhar. Uma nova era na arte de fundir canhões instala-se em Goa e em meados do século XVII e durante a administração do conde de Linhares foram fundidas 106 bocas de fogo, 8 sinos - estes destinados às fortalezas . Dois anos depois do governo de Pedro da Silva, 1636 e 1637, são fundidas 101 peças, mais dois morteiros para a "Casa da Pólvora". Estão com isto a produzir uma média de 25 canhões que durante ao longo de sessenta anos de trabalho de Pedro Dias Bocarro, fundiu mais de um milhar de bocas de fogo e dezenas de sinos.
CONTINUA...
Nota do autor: Justiça a quem deve ser dada! Não me seria possível levar em frente este, modesto, trabalho se não tivesse reunido informação ao longo de 26 anos. Guardei tudo desde a recortes de jornais, monografias e o demais que designava a história de Portugal na Tailândia e da expansão. Mendiguei livros a Macau e graciosamente sempre me esmolaram. Atravessei a era de ouro do Instituto de Macau que foi de grande sucesso durante a presidência do meu amigo Dr. Jorge Morbey. Outros presidentes se seguiram continuei a ser contemplado com revistas de cultura e muitos livros. Fui prendado igualmente pela Fundação Oriente e pela mão do presidente Dr. Carlos Monjardino que pessoalmente viria a conhecer, em Banguecoque, lhe servi de cicerone em Ayuthaya e levei-o ao "Ban Portuguet". Continuei a ser brindado pelas publicações de grande valor histórico e obras de luxo editadas pela "Comissão Territorial para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses" do Governo de Macau. Para esta parte (2ª), aqui ficam os meus agradecimentos ao Sr. Francisco Xavier, natural de Diu, pela sua excelente obra: "Vice-Reis e Governadores da Índia Portugesa" - Imprensa Oficial de Macau e patrocinada pelo Governo do General Rocha Vieira. Nos dias que correm, a história de Portugal na Ásia é uma doente, em coma, prestes a partir para sempre. Bem necessitava que alguma coisa fosse feita para que fosse reavivada.
José Martins

NA ROTA DOS CANHÕES 3a. Parte

Tuesday, July 08, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

Parte 3ª
Começa aqui o correr da vida do fundidor Manuel Tavares Bocarro. Filho do de Pedro Dias Bocarro e irmão de Francisco Dias Bocarro. Os dois filhos de Pedro Dias Bocarro não mostraram, de quando jovens, vocação para a arte do pai. Teria sido pela recomendação do rei que colocasse os "rapazes" a trabalhar junto ao pai, para que aprendessem a arte de fundição. O rei entende que os dois filhos poderiam auxiliar o pai e numa carta informa: "algu officio de Justiça ou de minha faz, para que residindo na cidade possa ajudar a seu pay... na fundição de artilharia" O Manuel Bocarro, alistado nas armadas como marinheiro das naus. O rei noutra comunicação referindo-se ao Manuel: "pudera merece muito (pois) não era fraco nem coitado", o que dizia ser um homem robusto e espirituoso. A ordem tinha chegado de Madrid e quando Manuel Bocarro teria uns 18 a 20 anos. Mercê das ordens reais o jovem outro remédio não terá que juntar-se ao pai, Pedro Dias Bocarro. A carta acrescentava ainda: "assistir (às fundições)... com o dito seu pay em cuja arte e experencia com elle se avia criado", como depois em anos mais tarde Manuel Bocarro viria a escrever. O rei Filipe II de Portugal, em carta régia de 21 de Março de 1617, nomeou D. João Coutinho, conde Redondo, vice-Rei da Ìndia. O conde Redondo antes de partir para a Índia foram-lhe entregues, 56 capítulos com instruções que o aconselhava como deveria proceder quando ocupasse o seu alto cargo. Uma dessas instruções recomendava-lhe que incrementasse a produção de artilharia, dado que Filipe II tinha imperiosa necessidade de expulsar os seus inimigos da Europa. Estes eram os holandeses e ingleses que a todo custo, pela força e armas, procuravam ocupar as possessões, portuguesas, ultramarinas. Dois anos mais tarde por carta de 8 de Março de 1619, Filipe II volta à carga recomendando que não fossem ignoradas suas ordens. Mas o conde Redondo já não poderia cumprir as ordens do rei.... tinha falecido antes de chegar esta carta. Seu lugar de vice-rei é tomado pelo governador Fernão de Albuquerque e coube-lhe a ele informar Madrid que suas instruções tinha sido totalmente cumpridas e comunicava ao monarca: "32 peças de artilharia grossa e nisso trabalhou muito o mestre fundidor" . Estas peças são obra de Pedro Dias Bocarro e tudo indica que o filho Manuel Tavares Bocarro o ajudou e, viria, aprender e conhecer todos os segredos da arte de fundir o bronze e transformá-lo em bocas de fogo. No final do ano de 1622 a população da cidade Goa fica alvoraçada com os "avisos da China". O importante empório comercial de Macau tinha estado sujeito a um forte ataque dos holandeses. Porém os holandeses são completamente derrotados pela minoria portuguesa. Já nos anos de 1601 e 1603 os holandeses teriam tentado invadir Macau. O princípo do uso de Macau, pelos portugueses, sem haver o conhecimento exacto da data, teria sido nos anos de 1557, embora outros historiadores aventem que esta altura teria sido de quando os portugueses limparam os piratas da área e um dos reis da China autorizou que do território fizessem base e que ali construissem uma feitoria. Macau, após pouco tempo depois volta num importante centro comercial e um ponto priviligeado, não só para o comércio dos portugueses com a China como com o Japão. É aproveitado igualmente pelos missionários de Portugal dissiminarem a doutrina cristã na China e no Japão. Francisco Xavier, o apóstulo das Índias, viria a conseguir introduzi-la no Japão mas sem sucesso na China e acaba por falecer na ilha de Sanchuão às portas do grande império. Os holandeses e dado ao progressivo desenvolvimento comercial de Macau, pretendem ocupar o pequeno território; fazem-lhe três ataques seguidos: 1601, 1603 e 1607, sem sucesso. Filipe II, senhor da coroa portuguesa, para que os holandeses não voltassem atacar Macau, por carta régia de 18 de Janeiro de 1608, envia para Goa a mensagem: "que se continue a fundição em na cidade de Goa, mandando para isso trazer cobre da China, e dando ordem que parecer necessaria para que venha, obrigando aos que trouxeram mercadorias da´aquellas partes a trazer tanta quantidade de cobre que baste para pagar em minhas alfandegas, no mesmo cobre, todos os direitos que d´ella deverem taes fazendas". Na mesma altura, Filipe II ordenou que fosse nomeado um capitão-geral para Macau, o que viria, pouco depois, a revogar, talvez por conselho, dado que a população na altura não o justificaria. Os ataques dos holandeses aos pontos estratégicos onde os portugueses se haviam colocado, para controlarem o comércio do Japão, China e Malaca foram por mais de um século, as constantes preocupações dos portugueses. A corte em Lisboa em face de tal cobiça dos holandeses e ingleses, recomendou ao vice-rei da Índia para que houvesse todo o cuidado na defesa de Goa como também se deveria fundir artilharia em Macau, "até o tempo dar logar a se poder acudir com outras". A construção de fortificações em Macau teriam sido iniciadas por volta dos anos de 1612. Recomendava o rei, que todo o dinheiro amealhado na cidade "se empregue em cobre e se traga a essa cidade de Goa, para se fundir em artilharia". Nos anos de 1615 numa carta, com data de 21 de Fevereiro, o rei, dentro das suas preocupações e futuras, investidas a Macau pelos holandeses, que se fortificasse Macau e se fizessem "sem irritar o animo dos chinas". Porém a mensagem do rei chegou tardia, isto porque os chineses não tinham visto com bons olhos a construção da igreja de S.Paulo, em 1602 e outras que se seguiriam depois. Francisco Xavier já não pertencia ao número dos vivos mas a semente deixada em Macau estava a produzir frutos e o pequeno território iria ser o ponto ideal para o catolicismo se ramificar pelas terras do Oriente. Os chineses quedam-se alarmados e pensam que os portugueses estavam, com a construção de novas igrejas, a iniciar um "extraordinário" plano de fortificação. Em 1613 e 1614, impuseram aos portugueses de Macau várias condições, e entre elas uma "não edificar casas novas em sitios novos", o que se pode analisar que os portugueses procuravam os sitios altos, para construir fortes e igreja e com isto na mira de observarem e de se poderem defender da intrusão do inimigo, que eram, na altura, os holandeses. Os chineses, entretanto, mudam de opinião, quando previam ataques às populações de piratas e dos holandeses e permitiam então, ao portugueses, de construirem fortificações aonde melhor lhes parecesse. Os holandeses não desarmam e a todo custo de vidas e preço pretendem chamar a si Macau. As naus inglesas, em grande número, já sulcavam as águas do Índico e estas, e as dos holandeses, eram um quebra-cabeças para os vice-reis da Índia e os capitães dos navios portugueses. O filão de ouro, do comércio das especiarias, que os portugueses tinham descoberto na Ásia, se ficou a dever à descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, pelo Vasco da Gama em 1498, criou reboliço na Europa. Por alguns anos os ingleses e os holandeses estão quietos, mas pela espionagem e juntando o sistema "corruptivo" de compra de cartas marítimas as oficiais, portugueses, de poucos escrúpulos, foram conhecedo as rotas das naus portuguesas e os pontos, estratégicos, onde já se tinham fixado. A caida dos mercados das especiarias e pedraria de Veneza, Génova e Piza e Portugal já ser o senhor do comércio da Europa, do que havia no Oriente, viria alertar e colocar em "polvorosa" os holandeses e os ingleses para lhes arrebatar o privilégio desse comércio. Todos os meios era usados, por estes dois países rivais e ciumentos a Portugal e um dos quais, em voga, era o de piratear as naus portuguesas no alto mar e assassinar, sistematicamente, cruelmente as tripulações e passageiros. Macau no dia 22 de Junho de 1662, quinze navios holandeses com milhares de soldados, apoiados com milhares de canhões, estão ancorados, em frente à cidade. Igualmente, na altura, três naus inglesas estão ali aportadas. Os holandeses pedem aos comandantes ingleses que os auxiliassem na conquista de Macau. Segundo um documento existente no Leal "Senado de Macau "Collecção de varios factos" os holandeses não se ficaram pela resposta em relação à ajuda "Os Ingleses responderão q´não tinham duvida contanto qu´o saque seria delles". O comandante, da esquadra holandesa, não aceitou a fria condição da parte dos ingleses. Ao entardecer do dia 23 de Junho, Macau está sob violenta artilharia. Os três barcos inglesas, juntam-se aos holandeses, no bombardeamento, certamente na mira para que depois a cidade tomada entrassem no saque. Mas vamos ao que escreve N.Valdez dos Santos: " Ao raiar da madrugada os holandeses, sob o comando de Kornelis Reyerzoon, desembarcaram 800 homens, numa bem planeada operação militar, que começou com o lançamento de "uma cortina de fumos", conseguindo pela combustão de um barril de pólvora molhada. Seguidamente inciciaram o ataque à cidade que se encontrava, unicamente, defendida por "80 portugueses capazes de pegarem em armas, além de seus moços ou escravos, mas ainda assim sem capitão que os guiasse, pois o Governador Carrasco tinha-se retirado para Goa, sem que tivesse sido substituído, e o Capitão-mor de viagem do Japão também se achava ausente, estando d´este modo o Governo da cidade entregue aos Senado"
CONTINUA....
José Martins

NA ROTA DOS CANHÕES 4a. Parte

Thursday, July 10, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

Parte 4ª
N.Valdez dos Santos: "Não vamos descrever, passo a passo, a brilhante defesa de Macau porquanto isso já foi repetido, inúmeras vezes, destacando-se, pelo seu valor histórico e literário, os estatutos de Marques Pereira, publicados na revista Ta-Ssi-Yang-Kuo e, principalmente, os do Professor Charles Boxer. Por isso basta indicar que, os macaenses, após terem rechassado o ataque holandês, obrigando-os a fugir precipitadamente para os seus navios, abandonando um pesado canhão que tinham desembarcado, mandaram um aviso ao vice-rei da Índia, pedindo socorros urgentes que incluissem "um cabo de guerras" e 300 soldados com os repectivos "subsídios", além de uma eficaz ajuda em dinheiro, destinado à fortificação e artilhamento da cidade".
"Com a excepção do número de soldados pedidos, que ficou pelos 100, todos os outros pedidos foram concedidos e acrescentado a Macau, inesperados, privilégios que mais tarde, frei Jesus de Maria, viria a mencionar, na sua obra "Asia Sinica e Japonica": " A Provisão Real ou Alvará concedido a Dom Francisco Mascarenha primeiro Capitão geral desta cidade hera tão honorifico e tão amplo, que lhe dava poder, mando, jurisdição e alçada sobre toda a gente de guerra,...Ao mesmo tempo Dom Francisco Mascarenhas expedio o Vice Rey Conde de Vidigueira mais duas Provizoens: uma para que o Capitão Mór das Viagens do Japão não tivesse já mais poder nem manodo nesta Cidade de Maco; e outra para que se não pudesse em Macao fazer mais artilharia sem ordem do Capitão Geral". Dom Francisco de Mascarenhas é nomeado Governador de Macau e inícia funções a 17 de Julho de 1623. Saiu de Goa acompanhado dos fundidores Pedro Dias Bocarro e filho Manuel Dias Bocarro cuja finalidade seria a instalação de uma fundição de bocas de fogos. Situa-se junto à Fortaleza do Bom Parto e no local conhecido por "Chunambeiro". A denominação do lugar provém pelo facto de ali se fabricar cal de ostras, produto conhecido por "chunambo" ou "chunamo". A fundição está destinada a produzir peças de ferro e bronze. Porém quando os Bocarros, pai e filho, chegaram a Macau a fundição já operava pelos chineses em termos artesanais e de fraca qualidade. Pedro Dias Bocarro, regressa a Goa em 1625 e entrega a fundição ao filho Manuel Bocarro. Existem contraversões quando à veracidade das datas acima indicadas. A versão, dada por Manuel Bocarro, é outra e relata que teria sido expedido para Macau, em 1625, pelo mando do Conde Vidigueira. Em Macau en controu uma "Caza de fundição" na qual tinham gasto "huma m.tº quantidade de dr.º pella necessidade q della tinhão ser tal e tão grande q obrigou a não reparar no gastar delles". E mais adiante cita que a fundição tinha estado confiada a "hú espanhol, vindo de Manilla", mas devido a não ter conhecimento, nenhum, da arte, Manuel Bocarro descreve-o "deu m.tª grande perda por delle se não colher fructo algú dellas". Foi despedido pelo conde de Vidigueira e ordenou a Manuel Bocarro que seguisse para Macau e com ele as intruções para fundir: "toda a artelharia q. lhe fosse necss. para a sua fortificação como para toda a mais que se houvesse mister para o serviço" . Nunca Manuel Bocarro mencionou que seu pai Pedro Bocarro o tivesse acompanahdo de Goa para Macau. No início do ano de 1624, Filipe II enviou uma carta a D. Francisco da Gama, Conde de Vidigueira que tinha tido conhecimento que na Índia havia "hum fundidor de artilharia bom oficial desta arte, por nome P.º Diaz Bocarro" e, sendo assim ordenava que ministrasse a arte "a outras pessoas" . As ordens, de Filipe II, eram que se ensinasse outras pessoas, mas que o segredo da arte de fundição não poderia saír das oficinas e a má sorte, viria acontecer, a um fundidor, local, ter fugido e, mais tarde, apanhado e mandado assassinar pelo Conde de Vidigueiro.
Recomenda a maior produção de artilharia em Goa e não menciona que o mestre Pedro Bocarro abandonasse Goa e fosse para Macau. Manuel Bocarro chegou a Macau em meados de 1625 e até ao final desse ano trabalhou na "Caza de Fundição como ajudante. Em 1626 a fundição fica livre da direcção dos "dois castelhanos" e dedica-se, Manuel Bocarro, com todo empenho à fundição de bocas de fogo de ferro e bronze. Seria o primeiro canhão fundido pelo Manuel Bocarro uma boca de 36 que durante séculos esteve activa na Fortaleza do Monte e passaria à história com o nome "Peça dos Mandarins". O nome teria sido dado, segundo a tradição dos macaenses, sentado na peça, que o mandarim de Macau Tsó Tang, assumiu as suas funções e, voltando, hábito seus sucessores tomavam posse, no dizer de Vicente Nicolau Mesquita: "d´hua especie de monumento, attenta a veneração e respeito que os chinas lhe consagrão desde mui tempo - he tbm sobre ella que os mandarins de Macau tomavam posse do seu lugar". No ano de 1627 Manuel Bocarro fundiu vários canhões de grande tamanho que podiam disparar projéctiles de pedra com o peso de 50 libras. Todos os canhões estava dedicados aos santos: S. Afonso, St.ª Ursula, S. Pedro Mártir, S. Gabriel, S. Tiago, S. Lino Papa, S. Paulo e outros nomes de santidades. Por muitos anos, defenderam Macau, colocados nas fortalezas e, pensa-se (sem termos a certeza) que alguns ainda ainda ali se encontram, como peças de artilharia e a lembrar a memória de um passado histórico. As peças de S. Lourenço e de St.º Ildefonso estão exposto na Torre de Londres e os de St.º António e S.Miguel são propriedade do Museu de Woolwich. O relatório de 3 de Março de 1637, designado:
"Lista contendo a artilharia existente nas fortalesas, baluartes e dentro da cidade do nome de Deus de Macau, segundo o que existe no dito porto" o Padre José Montanha escreveu, na sua obra "Aparatos para a História do Bispado de Macau", um capítulo relativo às fortalezas e canhões de Macau. (Consulte-se o Cod. 9448 dos Reservados da Bibl. Nacional que é o 1º Tomo dos Aparatos...", respeitante aos anos de 1557 a 1582, tendo, porém, num apêndice, com outra letra, várias relações respeitantes a acontecimentos até meandros do Século XVIII.
No inventário do Museu de Djakarta, sob o n.º 27012, é descrita a seguinte peça de artilharia:
"Canhões; outrora o "sagrado canhão" de Dkakarta, .... orígem: provávelmente fundido pelos portugueses, capturado, pelos holandeses aos portugueses em Malaca (1641).
O "Canhão Sagrado" é tradicionalmente considerado de origem portuguesa e já foi objecto de cuidadosos estudos por parte do Dr. M. Neyens e Dr. K.C. Crucq.
Este último autor escreveu: "Finalmente, desejo dizer alguma coisa de interesse vital com respeito ao Sagrado Canhão de Batávia. No museu militar de Lisboa há um canhão, que se presume ter sido fundido por Manuel Tavares Bocarro, que tem os cachos da mesma forma que o nosso Sagrado Canhão, o que vem de novo confirmar a orígem portuguesa do canhão de Batávia. É agora altamente provável que este canhão fosse fundido por Manuel Tavares Bocarro..." O Dr. Crucq apresenta outros argumentos, muito pouco consistentes, para endossar a autoria do "Canhão Sagrado a Manuel Bocarro e que são, normalmente aceites. O facto de não ter gravadas quaisquer marcas ou siglas, e a data como era norma nas fundições dos Bocarros, aliado ainda, a ter uma legenda em latin: Ex me ipsa renata sum, que não era usual nos canhões portugueses - só conhecemos em caso, no terço do canhão H.2, da regência de D. Pedro II, que tem a legenda Vltima Ratio Iustilac -leva-nos a admitir que não se trata de um canhão de Bocarro e a pôr em dúvida a sua orígem portuguesa. Consulte-se o P.e Manuel teixeira, in. Macau e a sua Diocese, VI, pp.111 a 119
CONTINUA
José Martins
P.S. Informações de várias fontes do meu arquivo particular. A matéria em cima dos canhões e fortes portugueses na Tailândia (com excelente informação já obtida) ainda demorará algum tempo dado que a história do fundidor, Manuel Tavares Bocarro, ainda irá inserir várias partes.

NA ROTA DOS CANHÕES 5a. Parte

Saturday, July 12, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

Parte 5ª
Os quatro canhões referidos na parte anterior (4) têm semelhanças, embora o de S.Lourenço, segundo o Padre Manuel Teixeira afirme: " no canhão de S. Lourenço estão gravadas as armas de Portugal, ladeadas de dois anjos, segurando um escudo; o anjo da direita leva na cabeça uma cruz, o da esquerda um astrolábio; logo abaixo está o brazão de armas de Macau (a Cruz de Santiago), rodeada dum círculo que tem a inscrição: "da Cidade de Nome de Deuz da China"; mais abaixo num cartucho: MANUEL TAVARES BOCARRO A FEZ A 1627".
Assim se pode concluir do Catálogo do Museu da Torre de Londres e de outras descrições dos outros quatro canhões, ladeados por dois anjos e o brazão de Macau. Portugal como é sabido perdeu a soberania em favor de Espanha, em 1580, mas o povo português nunca a aceitou. Em todas as cidades, vilas e aldeias são registados motins populares. Era duro para a sociedade da época de orgulho e de alma patriótica, lusa, aceitar a subjugação a Castela. Numa pequena aldeia, transmontana, do concelho de Anciães o juramento de fidelidade aos espanhois só viria acontecer a 20 de Janeiro de 1581 e quando nos Açores, Ilha Terceira, só em fins do ano de 1583 a população se renderia ao domínio castelhano.
No ano de 1581, Filipe I de Portugal e II de Espanha, presidiu às cortes de Tomar e os portugueses pronunciaram-se, bem claros, para o monarca, solicitando-lhe: "Portugal nunca se juntasse a Castela, regendo-se pelas suas leis e usos próprios. Pretendiam os portugueses, uma monarquia dualista: "um Rei com duas coroas, mas cada país com o seu governo e com isto suas leis, costumes e tradições". O rei espanhol parece que tudo aceitaria, ou talvez para não criar descontentamentos e revoltas populares. O heroismo de D. Nuno Álvares Pereira, no reinado de D.João, a 14 de Agosto de 1385 e na proximidade dos 200 anos, ter derrotado os castelhanos na batalha de Aljubarrota, estava vivo dentro do espírito dos portugueses. Dentro do que Filipe I, tinha acedido nas cortes de Tomar, nos primeiros 15 anos da dominação filipina, os canhões fundidos ostentavam, gravadas, as armas de Portugal. Nos últimos anos do reinado de Filipe I, os canhões portugueses continuam com as armas gravadas de Portugal. A estas, porém, sobrepunha-se à legenda PHILIPVS REX ESPANIARVOM, como ainda se encontram (???) duas peças no Museu de Angola em Luanda. No reinado de Filipe II de Portugal e III de Espanha, as bocas de fogo fundidas em Portugal continuavam a manter as armas reais da monarquia portuguesa, mas guarnecidas pelo "Tosão de Oiro" insígnia de uma ordem de cavalaria espanhola, cujo rei era o seu supremo representante. A partir da década vinte do século XVII, a artilharia portuguesa passa a estar subordinada ao "Capitan General de la Artillaria de España e com isto os canhões a ostentar as armas reais de Espanha às quais se sobrepunha um escudete com as de Portugal. Pelas destas se podem observar no Museu Militar de Lisboa. Porém digno de realçar que os fundidores de artilharia em terras de ultramarinas procediam diferente dos da metrópole, no que se referia à gravação nas peças, ignorando as insígnias espanholas. Pedro Dias Bocarro na sua obra prima o "Canhão de Chaul", fundido 14 anos depois da Espanha, assumir a soberania de Portugal, na bolada, moldou as figuras da Virgem Maria, de S.Pedro e S.Paulo.
Outras peças, saídas de suas mãos, moldava as armas da cidade de Goa, ou seja, o escudo real coroado sobre a roda de navalhas de S.Catarina. Manuel Tavares Bocarro, em Macau, usava o mesmo critério, moldava-as com as armas de Macau, o escudo português sob uma coroa real fechada e ladeada de dois anjos sobrepondo-se à Cruz de Santiago, envolta num círculo com a legenda "Da Cidade de Nome de Deos na China". Os fundidores portugueses que operavam nas terras de além-mar, não aceitavam a dinastia filipina e, seria, uma forma de protesto e vingança ignorem as insígnias espanholas nas obras que saíam dos seus fornos. Segundo o historiador padre Manuel Teixeira que viveu, por mais de setenta anos em Macau e uma vida dedicada a escrever livros em cima da história da passagem dos portugueses no Oriente, na sua obra "Macau e a sua Diocese", vol. VI, p. 274, no Museu do Príncipe Shimadzu, em Kagoshima, Japão, existiu até 1929, um canhão com a seguinte legenda: "DE ANT SOARES VIVAS M TB.
Peça, embora fundida pelo Manuel Tavares Bocarro, foi uma encomenda do Capitão João Soares Vivas, para armar a sua embarcação. O Vivas era um comerciante localizado no forte da Barra. Mas o brilhante historiador o Professor Charles Boxer, em carta que dirigiu a N. Valdez dos Santos em 15 de Janeiro de 1980 informava-o:"Também esclarecer que o canhão em Kagoshima (que eu conheço de visu) não era feito para João Soares Vivas, mas sim para seu irmão António Soares Vivas, que também cursou aqueles mares do Extremo Oriente, comerciando e combatendo. Ele figura como tal na "Carta Geral dos Servidores do estado da Índia em 1635 "feita pelo Viso rei Conde de Linhares, e impresso em Biblos (Coimbra, 1993) p. 21 da separata. Ele é citado em outras fontes contemporaneas também, como nos Assentos de Conselho do estado da Índia, I, 1613-1633 (1593, p. 299, aparecendo João Soares Vivas em p. 356 da mesma obra."
N. Valdez dos Santos na sua apreciação à carta recebida do Prof, Charles Boxer informa que ficou perplexo com a informação recebida. Manuel Tavares Bocarro tinha por obrigação de fundir artilharia só para a "Fazenda Real", como então se dizia que tentou adquirir os direitos de propriedade sobre a fundição a fim de poder trabalhar a mesma em carácter particular. Assim a sua admiração pelo facto de o Bocarro tivesse fundido uma peça para o António Soares Vivas, embora uma figura interessante na vida dos macaenses, mas que não lhe parecia tão ilustre que merecesse a honra, impar na história da nossa fundição, ter o seu nome gravado num canhão que pertencia ao rei de Portugal. O ano de 1631 foi um ano de grande azáfama de Manuel Tavares Bocarro, numa relação da artilharia em Macau no ano de 1846, eram mencionadas sete peças, de calibres compreendidos entre 12 a 34 cm, fundidas naquele ano. Uma dessas peças ainda se encontravam, nos finais do século passado, no Forte de S. Francisco e, segundo A.F. Marques Pereira, era de bronze "de calibre 36 e grande comprimento" e tinha a seguinte legenda:"MANUEL TAVARES BOCARRO A FES POR ORDEM DE FRANCISCO CARVALHO ARANHAS SENDO PROCURADOR D´ESTA CIDADE NO ANO DE 1631".
N.Valdez dos Santos continua: "Esta inscrição, pouco vulgar, não nos parece que seja uma cópia fiel da legenda que estaria gravada na peça. Com efeito não era hábito indicar-se, em primeiro lugar, o nome do fundidor - que aliás, não está conforme a ortografia da época, pois escrevia-se: "Manoel" - e não se nos afigura viável que Francisco Carvalho Aranha - e não"Aranhas" - pudesse, como procurador da cidade de Macau dar ordens para que o mestre da real Fundição de Canhões fundisse uma peça de artilharia. Mau grado o elevado número de canhões de bronze, de rara perfeição técnica e artística, que sairam das oficinas de Bocarro este, até ao início da década de 1630, não passava de um simples cidadão que nem sequer merecia que o seu nome figurasse nos documentos oficiais sendo designado, quando era necessário, "como fundidor que assiste na China". Apesar da sua riqueza, que deveria ser uma das maiores de Macau, Bocarro passava despercebido entre as poucas dezenas de moradores europeus e, só numa das actas da Câmara da Cidade, é referido, mas como simples assistente. É só por alturas de 1635 que Manuel Tavares Bocarro atinge o auge da sua carreira, através de uma obra que hoje quase se desconhece - a fundição de canhões de ferro. Foram os seus trabalhos no campo da fundição de ferro que tornaram o seu nome conhecido e que permitiram que figurasse nos documentos oficiais da época como o melhor fundidor português de artilharia.
CONTINUA...José Martins
P.S. Conteúdos inseridos, graças à obra, que já anteriormento mencionada extraídos do trabalho de N. Valdez dos Santos - Manuel Bocarro o Grande Fundidor - Lisboa MCMLXXXI.

NA ROTA DOS CANHÕES 6a. Parte

Tuesday, July 15, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

Parte 6.ª
Os canhões, primitivos, foram construídos com barras de ferro colocadas ao comprido e poder-se-ia considerar como a formação de um barril através das aduelas. Depois de formarem o círculo eram apertados com aros grossos de ferro. Havia um certo distancionamento entre esses que batido o cinzel com o martelo os aproximava. Em alguns casos o corpo do canhão era revestido com uma capa de cobre para lhe dar mais resistência e aguentar a pressão da explosão da pólvora. Com o correr do tempo foram surgindo novas técnicas de produção e em meados do século XIV, surgiram as peças de ferro, quente, malhado nas forjas, que nunca funcionaram, com perfeição. Em 1377, na Itália (Erfus) apareceu o primeiro fundidor "teve lugar a fundição das primeiras peças de ferro fundido", segundo informação do capitão A.Cardoso in: "Fabrico de Bocas de Fogo de Bronze e Projécteis" e, informa ainda, na mesma obra, que o fabrico de artilharia, em metal, seria iniciado no 1547, pelos ingleses já possuidores de altos fornos a fundir ferro e outros metais. Parece que a Coroa Portuguesa não teria tido grande interesse no canhões, o que se aventa não corresponder à verdade. Portugal para manter a sua soberania foi através de muitas lutas e grandes batalhas e estas aconteceram desde a fundação, em 1128, na cidade de Guimarães por D. Afonso Henriques. Enfrenta por um lado os castelhanos e a missão de empurrar os mouros para o Norte de África. É em Portugal que o fabrico de artilharia, na Europa se desenvolve, pois além de defender, palmo a palmo, o território, preparava-se para se expandir para os territórios além-mar. D. João I contratou, em Castela, um armeiro: " em 1416, D.João I, mandou vir de Castela o armeiro João Pires, isentando-o de pagar siza e fintas, além de outros privilégios, o que tudo foi depois confirmado por D. Duarte em 1435 e por D. Afonso V, em 1460, tanto àquele armeiro , como a outro, talvez seu parente, de nome Afonso Pires, in: Apont. para a hist. do Arsenal do Exército do Gen. J.M. Cordeiro".
Graças ao espírito do Infante D. Henrique, funda a Escola Náutica de Sagres e em 1416, é descoberta a Ilha de Porto Santo e o início da era dos descobrimentos que iria atingir o auge com a descoberta do caminho para a Índia pela rota do Cabo da Boa Esperança, por Vasco da Gama em 1498. Teriam, os portugueses, de construir fortes, fortins, baluartes, junto às baías e ensedas dos territórios ao longo das costas atlântica e do Índico e mais tarde por toda a Ásia e o longínquo Oriente. Nas ameias desses postos, de defesa, teriam que estar pousadas as peças de fogo para se defenderem da intrusão e cobiça de ocupação: dos turcos, dos ingleses e holandeses, os piratas do ocidente. Ora em Portugal desde o reinado de D.João I e já antes fundiram-se canhões. Porém, depois de 125 anos de Portugal ser senhor do comércio, oriental, agudiza-se a cobiça dos turcos, dos ingleses e holandeses. Portugal está sob a dinastia filipina de Castela. Em 1585 a Espanha declara guerra à Inglaterra e acontece, em 1588, a derrota da "Armada Invencível" pelos ingleses onde pereceu parte das nossas melhores naus e caravelas da rota da Índia e Brasil. Devido à declaração de guerra dos espanhois aos ingleses, estes atacaram Lisboa em 1585 e 1589. Segue-se o ataque ao Recife, no Brasil, em 1648, pelos franceses e ingleses. Malaca, a joia da coroa, conquistada pelo Grande Afonso de Albuquerque, em 1511, é cercada pelos holandeses, pela primeira vez, em 1606 e para sempre perdida, em 1641, pelos holandeses. Segue-se a cobiça de Macau e a perda de Sri Lanka. A nobreza portuguesa está dividida e lá seguia vivendo ou acomodando-se, conforme seus interesses, à dinastia filipina. Portugal aquele prestígio, a língua o instrumento de comunicação entre o ocidente e o Oriente; a forma dócil e diplomática de lidar com as populações, grangeado em toda a Ásia e Oriente, por mais de um século começa esfumar-se. No século XVII, entre o período de 1625 a 1635, o vice-rei D. Francisco da Gama escreveu ao rei sugerindo-lhe que enviasse para Goa: "dous ou tres fundidores de ferro coado, pª poderem fundir artª de ferro do muyto e barato q lá há" (Como é sabido em Goa existem minas de ferro que ainda hoje é extraído e exportado. Parece que nos dias de hoje é a segunda riqueza depois do turismo). O rei aprovou e aplaudiu a ideia do vice-rei, mas informou-o: " off.que saibão fundir art.ª de ferro, e se tem aquy per informação que na China, e Jappão, há off.es que o sabem fazer", determinava que ao capitão geral de Macau lhe fosse dada ordem apara que, nas primeiras "embarcações que vierem para a India, vos mande algus destes off.es selariados para que possão fazer funição e ensinar a Arte aos off.es que fundem art.ª de bronze".
O conde de Vidigueira, em 1627 escreveu ao rei informando que D.Filipe Lobo, capitão geral de Macau, o tinha avisado que seguiam a caminho de Goa "dous mui bons fundidores" chineses de ferro. Desde há muito havia intenção de fundir canhões de ferro em Goa. Tal objectivo não tinha sido concretizado dado que se aguardavam ordens do rei. Mas a ideia foi gorada e não funcionou a fundição de canhões pelo sistema de ferro coado. Os dois fundidores vindos de Macau nunca acertaram na tempera e dar-lhe a robutez necessária, ao ferro, para aguentar o disparo, acabando por despedir os chineses e mandá-los de volta a Macau. Chegaram a pensar, enviar para Macau "ferro de todas as sortes", para que os fundidores ali acertassem com a tempera. A ideia fica pelo caminho. Manuel Tavares Bocarro como mestre de "Fundição Real" por contrato celebrado por D. Francisco de Mascarenhas, teria que fundir peças em ferro e bronze, todas aquelas que fossem necessárias. Teria aprendido, com os dois chineses, chegados a Macau o segredo de fundir o ferro coado, escrevendo ao vice-rei que estava já com ele a ciência e arte para produzir artilharia de ferro a preço relativamente baixo. O vice-rei comunica ao rei a "boa" notícia e informa-o ter já dado ordens a Manuel Bocarro para executar: "sem pessas de art.ª de ferro coado". Manuel Bocarro, além de mestre fundidor de bocas de fogo em bronze é igualmente de ferro coado e, orgulhosamente dá a conhecer ao vice-rei da Índia. As cartas de Macau chegadas a Goa fizeram gerar entusiasmo, mas que o mesmo não era assim em Lisboa. De facto a Filipe III agradava-lhe a notícia pelo êxito da fundição de ferro em Macau, mas não deixava de se lastimar o alto preço em que os canhões ficavam depois de fundidos. Dizia o rei que as peças saídas das fundições de Biscaya eram mais baratas e de melhor qualidade. Ao Conde Linhares não lhe agradou a insinuação de Filipe III e respondeu, energicamente, ao monarca, informando-o que seria de toda conveniência "favorecer o dito fundidor, para com isso se animar a o levar avantes" , com isto se manterem as fundições de artilharia em Macau. O rei acedeu ao pedido do Conde de Linhares e a "Fundição Real de Macau" torna-se uma realidade. O conde de Linhares escreveu a Manuel Bocarro, informando-o não só do agrado real e da anuência para que as fundições continuassem em laboração, como também, como prémio, da sua ciência e trabalho em serviço do rei de Portugal, iria ser recompensado com o hábito de Cristo e com uma grande mercê mas, para as receber, era indispensável que fosse a Goa. Pensa-se que o conde de Linhares, tendo já certo o funcionamento da fundição em Macau, pretende que outra de fundição de peças de ferro viesse a operar em Goa. Goa tem muito ferro em bruto e em conta. Assim entende-se que o conde Linhares desejava que o Manuel Tavares Bocarro se deslocasse de Macau a Goa e, quanto ao hábito de Cristo, que lhe prometera, não passava de uma "tramoia", Ao fundidor o rei, apoiado pelo clérigo da época, jamais poderia distinguir o Manuel Bocarro com tal distinção que lhe daria o foro de fidalgo. Embora Manuel Bocarro mostrasse, largo, contentamento da honraria de vir a ser fidalgo, em público, mas sabia, interiormente, que seria impossível. A sua família e ele, também, estavam marcados pela Santa Inquisição. Manuel Tavares Bocarro a sua descendência era judaica e assim considerado um cristão novo apelidado na época por "marrano".
ContinuaJosé MartinsE-mail: josegomes.martins@gmail.com