Telefonámos para o Comando a dar conhecimento do caso solicitando ao mesmo o envio de várias carrinhas para o transporte dos presumíveis refugiados vietnamitas para Macau.
Após ter efectuado o telefonema compareceu o Subchefe que me vinha substituir no Posto.
Continuei por ali fiquei até concluir o trabalho e pouco depois compareciam várias carrinhas, acabando por seguir numa delas para Ká-Ho.
Quando chegámos a este local deparámos com um amontoado de gente o que me comoveu profundamente.
Algumas pessoas falavam flutuentemente inglês o que permitiu saber um pouco mais da sua história.
Abandonaram o Vietnam do Sul numa embarcação de pesca levando apenas mapas, termos, binóculos, etc. arriscando a própria vida ao partirem clandestinamente.
Chegaram ao Mar do Sul da China onde a ventania muito forte e agitadas ondas
por pouco não afundaram a embarcação.
Graças ao auxílio de uns pescadores chineses que encontraram pelo caminho, conseguiram desembarcar na praia de Ká-Ho em Coloane.
Estes refugiados foram os primeiros a aportar a Macau ficando no Território pelo período de oito meses.
Por essa altura já eram 27 pois tinham nascido na maternidade do Hospital “Conde de S.Januário” duas crianças do sexo feminino. Por casualidade a minha esposa foi a enfermeira-parteira que assistiu ao parto das mesmas.
Seis desses refugiados seguiram para o Canadá e sete para os Estados Unidos, para onde seguiram também os restantes no dia 23 de Fevereiro de 1978, com a coloboração da UNHCR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).
Passado um mês sobre a primeira chegada de refugiados vietnamitas eis que um outro grupo constituído por 122 indivíduos aportava a Macau com 40 homens, 30 mulheres e 52 crianças
A autêntica odisseia deste grupo por um pouco tinha um trágico epílogo, quando o barco em que seguiam, com cerca de 20 metros de comprimento, esteve à mercê de ondas altas, ventos fortes e chuva torrencial, com o motor avariado, seis dias depois de ter partido para Hong-Kong de Quang Ngai, cidade a cerca de 120 milhas de Danang.
O líder do grupo e médico de medicina tradicional chinesa Duang Thoung Hiep, de 44 anos, contou-me a tragédia e as longas horas de angustia e martírio passadas pelo grupo:
“Na altura não sabiamos bem onde estavamos e não tínhamos comido nada por mais de vinte e quatro horas apesar de termos arroz a bordo”.
Explicando a situação disse: “o barco estava cheio de água e a missão de todos era de esvazia-lo o mais rápido possível”. Na altura segundo Duang, “passaram por nós dois juncos tendo os seus tripulantes informado sobre um ciclone tropical que estava a caminho”.
Acrescentou que ele e os seus companheiros tentaram transmitir aos homens dos juncos que não podiam navegar e que era urgente uma ajuda pois caso contrário seria inevitável o seu naufágio.
“Os dois juncos afastaram-se do local possivelmente porque os pescadores não conseguiram ouvir o nosso apelo” continuou Duang.
Quando todas as esperanças estavam praticamente dissipadas e deitadas por terra, com alegria viram os juncos reaproximarem-se, estando as suas velas cada vez mais perto.
Os pescadores chineses apreenderam-se da nossa verdadeira situação e voltaram para nos salvar” concluíu Duang.
Os dois juncos acabaram por rebocarem o sinistrado barco vietnamita por umas cinco horas trazendo-o para Macau.
Em outra ocasião recolhemos um refugiado vietnamita, que tinha sido piloto aviador com treino em jacto-bombardeiros tirado na Base Aérea de Doldlop, Texas.
Tratava-se do segundo-tenente Tran Uy-Nam de 34 anos de idade, que não hexitou em afirmar na altura a existência de dezenas de campos de concentração no Vietname, com cerca de 800 a 1000 prisioneiros cada.
Estes foram os primeiros grupos de vietnamitas que aportaram a Macau. Seguiu-se depois uma autêntica avalanche que se prolongou por vários anos.
Passaram à história como “Boat Peopel”, invadindo quase todos os países da Asia para além de Macau e Hong-Kong, que não escaparam a estas sucessivas levas de refugiados.
Houve ocasiões em que ficaram completamente repletos de vietnamitas o campo de refugiados em Ká-Ho, o Quartel da Ilha Verde, o antigo Hospital de ‘S.Rafael e a Ponte Cais da Taipa, sendo até improsivadas umas barracas na “Doca D.Carlos I” para os abrigar.
Rápidamente o Governo de Macau se deu conta que não tinha possibilidades de dar aos refugiados o tratamento necessário e adequado, apesar dos seus “cofres” se irem esvaziando, devido aos onerosos encargos desta operação humanitária.
O Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas também não tinha mãos a medir para enfrentar esta alarmante situação.
Chegou então o momento em que foi determinado o fechamento dos campos de refugiados em Macau, não se aceitando mais exilados a partir dessa altura. As embarcações que chegassem a Macau seriam rebocadas para fora das suas águas Territoriais.
Numa ocasião em que estava de serviço ao Comando, atracou à Ponte número 1 uma embarcação com refugiados vietnamitas.
Tentou-se rebocá-la para fora das águas de Macau mas os refugiados eram renitentes, dizendo que prefeririam afundar ali mesmo a embarcação a ter de seguir para fora de Macau.
O Comandante determinou nos juntássemos à vedeta destacada para rebocar a embarcação a fim de lhe dar apoio.
Após um longo diálogo com os vietnamitas e depois de terem sido abastecidos de água, vivéres e gasóleo, conseguimos finalmente convencê-los a proseguirem viagem.
Prometemos que os levaríamos até junto de Hong-Kong onde seriam recolhidos pelas respectivas autoridades marítimas e passado pouco tempo, deveriam seguir para o Canadá ou Estados Unidos.
A viagem decorreu com toda a normalidade e só largámos o reboque já com Hong-Kong à vista.
Satisfeitos com a nossa cooperação os refugiados agradeceram vivamente, rumando em seguida para Hong-Kong.
Esta missão foi a pioneira no reboque de embarcações vietnamitas para fora das águas Territoriais de Macau. Milhares se seguiram, tendo participado ainda em centenas de outras operações similares, no comando de uma vedeta da classe “Bravo”.
O destino reservou-me esta difícil e humilde missão que humana e profissionalmente a desempenhámos!
Para se ter uma ideia mais concisa sobre os números de refugiados que aportaram a Macau e Hong-Kong, damos o seguinte mapa:
1978/79 1980/84 1985/90 1990/95
MACAU
4 333 2 777 17 1
HONG-KONG
79 906 28 975 59 518 27 434
Como referimos, em Macau a partir de meados dos anos oitenta, não se aceitaram mais refugiados, sendo as suas embarcações rebocadas para fora das águas territoriais.
Posteriormente estes exilados eram que procuravam sobretudo enviá-los para os Estados Unidos, Canadá ou Austrália.
The Government's official policy since 1982 has been to refuse asylum to all Vietnamese boat people arriving in Macau waters. With the approach of Macau's and Hong Kong's reversion to China, Vietnamese boat people prefer to travel further north to Japan and Korea. Only three or four boat people remain in Macau.
O ARTICULISTA APANHOU DUAS LEVAS DE REFUGIADOS VIETNAMITAS DURANTES AS DUAS COMISSÕES DE SERVIÇO QUE DESEMPENHOU COMO COMANDANTE DA VEDETA DE FISCALIZAÇÃO "BRAVO 1".
TRAGÉDIA COM VIETNAMITAS
Tinha sido uma manhã muito trabalhosa, logo ao entrar de serviço na vedeta “Bravo 1”, havia duas embarcações com refugiados vietnamitas que era necessário rebocar para fora das águas de Macau.
O tempo permitia esse reboque e como tal iniciámos o trabalho. Largámos o reboque era já quase meio dia, tendo as embarcações ficado bem perto de Hong-Kong onde em breve deveriam ser localizadas pelas vedetas da Polícia Marítima deste Território.
Regressámos e fundeámos defronte da praia de “Hac-Sa”, ali se encontrando já outra embarcação com vietnamitas a quem foi dado o apoio necessário, e depois fomos almoçar. Tencionávamos rebocá-la depois do almoço.
Entretanto outra embarcação com mais refugiados vietnamitas, vinda das ilhas defronte de Macau, tencionava chegar à praia.
Cortamos-lhe a manobra e obrigámos a que fosse amarrada à vedeta. Trazia umas oito pessoas. A primeira embarcação tinha 49.
Passámos estes oito indivíduos para a outra embarcação, sendo assim mais fácil fazer o reboque e quando tencionávamos seguir viagem, eis que aparece o Subchefe “Bali”, pilotanto um bote rápido e trazendo a reboque outra pequena embarcação com mais 12 refugiados vietnamitas.
Como este barco parecia ser mais novo, deixámos a bordo dois indivíduos para o pliotar, enquanto os restantes 10 se juntavam à primeira embarcação, que ficou com um total de 66 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Passámos os cabos e levámos as três embarcações a reboque.
Na totalidade efectuávamos dois reboques, a primeira embarcação como referimos com 66 pessoas, a segunda com duas e a terceira vazia.
O mar encontrava-se sereno mas o vento leste começava a soprar razoavelmente. Já bem longe das nossas águas, partiu-se o cabo de reboque da segunda para a terceira embarcação ficando a mesma à deriva.
Não parámos para a recolher pois isso seria feito no regresso. Mais adiante a segunda embarcação, devido a má condução da mesma, virou-se, forçando a primeira também se voltar.
O pessoal da vedeta que estava a postos, imediatamente cortou os cabos que ligavam à embarcação e rápidamente lançaram a rede de assalto. Prontamente todos os refugiados foram recolhidos do mar e passados para bordo da vedeta.
Do acidente foi dado conta ao Comando, que ordenou o regresso a Macau com os vietnamitas. Tivemos de acatar a ordem, embora estivessemos já mais perto de Hong-Kong.
Todo o espaço interior da vedeta ficou repleto de vietnamitas e a certa altura um deles veio ter comigo dizendo-me que havia um bébé que se encontrava mal. Fui vê-lo nos braços da mãe que tinha acabado de o amamentar. O seu rosto estava ficado azulado.
Fizemos-lhe os primeiros socorros mas nada adiantou. Solicitámos uma ambulância para a Doca D.Carlos onde iriamos atracar e a toda a velocidade seguimos para Macau.
Ali chegados, um tio do bébé seguiu com ele para o hospital e mais tarde viemos a saber que infelizmente o bébé falecera.
O caso foi entregue à Polícia Judiciária, tivemos de fazer um auto de notícia do ocorrido. A autópsia veio a apurar que o bébé não falecera por afogamento mas por causa do leite que tinha tomado.
A embarcação ficou em Macau por mais uns dias, tendo-se realizado o funeral do bébé. Mais tarde um colega meu, noutra vedeta, rebocou a embarcação e os referidos refugiados para fora das águas de Macau.
Terminava assim de forma trágica o reboque de vietnamitas para fora das águas de Macau.
Em outra ocasião houve um Agente que serviu de parteiro e felizmente o parto decorreu sem anomalias, tendo nascido um perfeito bébé do sexo masculino.
Pelo Despacho n.º 10/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 5/97, II Série, de 29 de Janeiro, foi titulado o contrato de concessão gratuita, por arrendamento, de um terreno com a área de 9 232 m2, situado na ilha de Coloane, antigo Centro de Refugiados Vietnamitas de Ká-Hó, para aproveitamento com a construção de um Centro de Formação e Acolhimento de Jovens, a favor dos Salesianos de Dom Bosco (Sociedade de S. Francisco de Sales), entidade de carácter permanente religioso, canonicamente erecta na Diocese de Macau, nos termos e para os efeitos do Despacho n.º 10/SAAEJ/96, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 15/96, II Série, de 10 de Abril.
O ARTICULISTA NO ANO DE 1989 SENDO CONDECORADO COM A MEDALHA DE DEDICAÇÃO POR UM REPRESENTANTE DO GOVERNO DE MACAU.
- CONSIDERANDO-SE TRATAR-SE DUM GRADUADO POSSUIDOR DE SÓLIDOS CONHECIMENTOS PROFISSIONAIS E GRANDE LEALDADE, ALIADOS A ELEVADO GRAU DE DISCIPLINA, TEM DADO O MELHOR DE SI PRÓPRIO À POLÍCIA MARÍTIMA E FISCAL, MUITAS VEZES COM SACRIFÍCIO DAS SUAS MERECIDAS HORAS DE DESCANSO. -
1. MEDALHA DE CAMPANHA DE COMISSÃO DE SERVIÇO NO ULTRAMAR
2. MEDALHA DE MÉRITO PROFISSIONAL
3. MEDALAHA DE PRATA DE ASSIDUIDADE DE SERVIÇO NO ULTRAMAR
4. MEDALHA DE DEDICAÇÃO
5. MEDALHA DE DEDICAÇÃO E MÉRITO
RECEBEU O SIGNATÁRIO DO GOVERNO DE MACAU E DA CORPORAÇÃO DOS SERVIÇOS DE MARINHA E DA POLÍCIA MARÍTIMA E FISCAL ALGUNS LOUVORES, ELOGIOS, MENÇÕES E APREÇO E DUAS CONDECORAÇÕES SENDO A MAIS SIGNIFICATIVA A MEDALHA DE DEDICAÇÃO E MÉRITO.
-CONSIDERANDO OS SÓLIDOS CONHECIMENTOS TÉCNICO-PROFISSIONAIS, INVULGAR DEDICAÇÃO AO SERVIÇO E ELEVADO ESPÍRITO DE MISSÃO SEMPRE INEQUÍVOCAMENTE REVELADOS;
CONSIDERANDO A SUA FORTE PERSORNALIDADE E ELEVADA NOÇÃO DO DEVER QUE, SERVIDAS POR UM ESPÍRITO DISCIPLINADO E DISCIPLINADOR, CRÍTICO, FRANCO E LEAL, LHE TÊM PERMITIDO DESEMPENHAR A SUA ACTIVIDADE, DE FORMA NOTÁVEL, COM MELHORIAS NÍTIDAS PARA O SERVIÇO, MAIS PRESTÍGIO E DIGNIDADE PARA A CORPORAÇÃO E BENEFÍCIOS PARA A COMUNIDADE.
SE CONCEDE, NOS TERMOS DO ART. 5. PAR. 2. ALÍNEA a) DO DECRETO-LEI 42/82/M, de 3 de SETEMBRO , A MEDALHA DE MÉRITO PROFISSIONAL.
Gabinete do governador, em Macau, aos 27 de Julho de 1991.
O GOVERNADOR
VASCO ROCHA VIEIRA
O PADRE LANCELOTE RODRIGUES, REPRESENTANTE EM MACAU DO ALTO COMISSARIADO PARA OS REFUGIADOS.
Padre em Macau
Homem normal no caminho do bem
Bebe, canta e toca o coração de quem o conhece. Em Macau, onde vive, o padre Lancelote Rodrigues é, aos 85 anos, visto como um santo na terra.
O padre Lancelote Rodrigues 'é como um pai para todos'. Mas, se lhe disserem isso, sentir-se-á 'muito humilhado'. 'Não me sinto preparado para desempenhar essa tarefa. Preferia que dissessem que sou muito amigo de toda a gente'.
Há 73 anos em Macau, é visto como 'um missionário do Bem e pessoa sempre feliz'. Ama a vida, irradia bondade – 'se virem em mim um rapaz bondoso fico grato mas às vezes também me zango', esclarece. Para muitos, é mais que bom, é exemplo vivo de santidade: 'Isso não, é demasiado, santos estão no Céu e eu estou na Terra. Deixem-me ficar por aqui ainda algum tempo para ser um pouco mais pecador do que os outros'. Ultrapassada a modéstia, Lancelote reconhece ter 'feito muitas obras de assistência social'.
O padre pertenceu a uma organização – a Catholic Relief Services – através da qual conseguiu construir casas económicas, creches, clínicas médicas, escolas, um cine-teatro e um centro católico.
CIA PROTECTORA
Há quem diga que era próximo da CIA. 'Eles eram os protectores dos pobres, pois deram-nos muito dinheiro para os refugiados', comenta, não negando que 'era muito ligado ao governo americano'. 'Sempre nos abriu muitas portas. De modo que aproveitávamos. Eles tinham que saber a posição, a situação e a política da China, pelo que mandava muitos relatórios para o consulado americano de Hong Kong. Fazíamos isso muito abertamente. Às vezes os elementos da CIA vinham ter comigo. Falávamos, tomávamos as nossas bebidas, dávamo-nos bem. Representante da CIA nunca fui porque isso é uma coisa política', esclarece.
O amigo e arquitecto Carlos Marreiros enfatiza que 'o padre Lancelote é louvado por toda a gente, desde o mais pobre até governantes e embaixadores, tendo sido o verdadeiro cônsul-geral dos EUA em Macau nos últimos 40 anos.'
Mas recusa a palavra informador. 'Isso é que não. Ele está muito acima disso'.
AMAR 150 MIL
Aos 22 anos decidiu ser padre. 'Fiz bem, até porque os refugiados chegaram por altura da minha ordenação. Acontece que o bispo daquele tempo, Dom João Ramalho, não acreditava na minha vocação. Mandou-me tratar dos refugiados, tarefa que cumpri durante 14 anos. Tratar de pessoas que tinham perdido tudo foi uma experiência e educação formidáveis'.
Sobre a sua vida entre os Jesuítas, fala de uma disciplina dura mas 'esmerada'. 'Ao princípio víamo-los como uns tormentadores, mas quando saímos como padres, agradecíamos', confessa, não escondendo que 'recebia muitas torturas. Tínhamos que, durante horas, ficar a olhar para as paredes.
E também apanhávamos bofetadas e castigos corporais. Tive um castigo porque fui apanhado a fumar. Colocaram a minha carteira no meio de um corredor de 80 metros de comprido.' Desses tempos, lembra ainda ter escrito poesias às raparigas e de na procissão olhar para um lado e para o outro para ver 'onde estavam as mais bonitas'. Lancelote acredita que só não foi expulso graças à voz de soprano. 'Fazia falta no coro'.
Envelheceu mas não perdeu o espírito de outsider: 'Estou contra as directivas da nossa diocese, pois devíamos ser mais activos. É por isso que não me dou bem e estou de fora'. No mesmo tom, crítico, fala da China – 'onde devia haver mais abertura e menos corrupção'. 'Por exemplo, para realizarem os Jogos Olímpicos açambarcaram os terrenos sem dar qualquer compensação. O regime chinês não protege nem acalenta o seu povo'.
Lancelote Rodrigues gostaria que, 'daqui a 50 anos, fosse recordado como um homem alegre, um bonacheirão que gostava dos pobres e de uísque.' 'Recebi uma medalha das mãos da rainha de Inglaterra onde me chamam Sir Lancelote. Mas Sir Lancelote é o da Távola Redonda. Eu sou o Lancelote da garrafa redonda'.
VOZ DE BAIXO-BARÍTONO AFINADA COM UÍSQUE
A personalidade do padre dos pobres reparte-se entre a bondade – praticada de forma contínua junto de milhares e milhares de refugiados, pobres entre os mais pobres – e a atitude efusiva do ‘bon vivant’, aquele que é capaz de apreciar os prazeres da boa mesa, da música, da amizade e da alegria. Nos actos de missionário, onde é capaz de amar os mais necessitados e por eles dar tudo, jamais transpareceu o seu outro lado – folgazão, bom garfo, sempre bem-disposto, dono de uma potente voz de baixo-barítono. Lancelote Rodrigues não recusa emborcar dois deditos de um bom uísque antes de entoar algumas belas canções na companhia dos amigos.
Como diz o ‘Tao Te Qing’, de Lao Tzu, 'acabada a obra, o Santo (o homem Superior) afasta-se'. 'Nele, todos os dias emerge o Santo e, todos os dias, acabada a obra desse dia, afasta-se e enche de alegria o coração dos muitos amigos que o amam', refere o amigo e artista António da Conceição Júnior.
DESISTIU DO CASAMENTO
Padre Lancelote pensou desistir da sua vocação. Queria casar com uma rapariga 'muito sensata e boa'. Só desistiu porque 'gostava de ajudar os outros, principalmente os pobres'. 'Via tanta pobreza no campo de refugiados que me afeiçoei a eles. Se casasse isso perdia-se. Afinal, em vez de amar uma, podia amar 150 mil', conta.
OBRA EXEMPLAR NA CHINA JUNTO DAQUELES QUE NADA TÊM
Leonor Seabra, professora da Universidade de Macau e biógrafa do padre Lancelote Rodrigues, enaltece "a acção desempenhada pelo prelado no interior da China, junto de populações absolutamente carenciadas, às quais proporcionou melhores condições de vida. Graças aos inúmeros contactos, estabelecidos ao longo de muitos anos de actividades de ajuda humanitária, criou uma obra a todos os tí-tulos exemplar", reconhecida até pelo anterior Papa, João Paulo II, que o recebeu.
NASCIDO EM MALACA DE PAI PORTUGUÊS
Lancelote Rodrigues nasceu em Malaca, filho de pai português, e foi para Macau aos 12 anos. Decidiu aprender o português para poder estudar Filosofia e Teologia. Aos 22 decidiu ir para padre.
José Manuel Simões
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ESTA GENTIL E AFÁVEL PESSOA DESEMPENHO UM PAPEL IMPORTANTÍSSIMO AQUANDO DA PERMANÊNCIA DOS REFUGIADOS VIETNAMISTA EM MACAU.
What do you know about Canada?", visa officer Nadia Gray asked the Vietnamese refugee family. They were sitting at a make-shift desk at the refugee camp on Coloane Island while rows of other applicants waited just out of ear-shot for their own interviews and chance to move to Canada.
The parents put their heads together and discussed their answer. "Well, madame, we don't know very much but we know that there is a tree in Canada that Canadians love very much. We don't know the name of the tree or why it is so loved. " They noticed a picture of a Canadian flag. "That is the tree, madame. Perhaps if you accept us we will learn a great deal about Canada and we will try to love your tree."
This family was just one of the approximately 3,000 Vietnamese boat people who immigrated to Canada from Macao between 1979 and 1992. Unlike the huge, impersonal refugee camps in Hong Kong, the Vietnamese boat people who landed in Macao were very much part of a community. Under the paternal but strict administration of Father Lancelot, Father Alexander and other members of the Catholic Church, the Vietnamese refugees helped run their camps and strove to live up to a code of conduct that made life in the camps more bearable.
Years later in recalling the interview and the two little boys who played under her desk during this important interview, Gray hoped that the family had found in Canada a welcoming home and that they had learned to love our tree.
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Nascida num campo de refugiados
Tiffiniy Cheng tem as suas raízes familiares na província chinesa de Guangxi e no Vietname. Os seus avós paternos foram vítimas da grande epidemia de fome dos anos 50, quando Mao Zedong lançou o Grande Salto em Frente, que teve efeitos desastrosos para a economia chinesa. A família emigrou para o Vietname, onde o pai de Tiffiniy viria a casar com uma jovem daquele país.
Com a chegada dos comunistas ao poder, os Cheng fizeram como milhões de outros vietnamitas e lançaram-se à aventura, a bordo de uma pequena sampana. Alguns meses depois estavam temporariamente alojados no campo de refugiados de Ka Ho, em Coloane, onde Tiffiniy nasceu em Fevereiro de 1980.
Aí o Padre Lancelote Rodrigues acabou por encontrar-lhes um novo destino, como fez com milhares de outros refugiados que encontraram em Macau o seu primeiro porto de abrigo. Em Novembro de 1981, a família mudou-se para Worcester, no estado de Massachusetts, onde continua a viver até hoje.
Educada num ambiente familiar predominantemente chinês, onde a música e outras manifestações da cultura de Hong Kong estiveram sempre presentes, Tiffiniy não descansou enquanto não voltou à sua terra natal.
No ano 2000, depois de concluir o curso, esteve em Macau, visitou a biblioteca do IACM, folheou jornais antigos e procurou dessa forma reconstruir um passado de que os pais só lhe falam a espaços. Depois voltou com a família, numa viagem ainda mais emotiva. Tiffiniy diz agora ao PONTO FINAL que conta vir de novo a Macau para prosseguir na busca das suas raízes. Até lá, vai continuar atenta ao mundo confuso que a rodeia – em especial, a tudo o que lhe soar a injustiça.
Muitos mais factos se passaram com os refugiados vietnamitas, mas por essa altura o articulista encontrava-se em portugal no gozo de licença graciosa, muito ficou por contar, relatando apenas alguns, dos milhares de casos em que interviu directamente.