Em agosto de 1966 passei à disponibilidade em Macau, não regressando a Portugal com a Companhia de Caçadores 690 a que pertencia.
Decidi ficar em Macau, em virtude de a namorada que tinha em Portugal me ter trocado por outro amor, e fui trabalhar para uma agência de navegação que representava também vários produtos portugueses, o vencimento esse era muito menos de metade do que ganhava no exército como Furriel Miliciano, sem quaisquer regalias adicionais, mas era o primeiro passo de integração em Macau..
Foi uma experiência enriquecedora pois passei a tomar conhecimento "in loco" das realidades do território bem como das suas gentes para o que tive de aprender o dialecto cantonense.
Quando a oportunidade surgisse tentaria arranjar um emprego no Governo, para tal, e embora tivesse o Curso Comercial, matriculei-me no Liceu de Macau onde concluí o sétimo ano.
Nos primeiros dias do mês de dezembro de 1966 ocorreram vários tumultos de vulto em Macau, quando os comerciantes e serviços de transportes locais recusavam vender ou prestar serviços aos portugueses. Valeu-me nesta situação a minha namorada chinesa.
Tinha na altura vinte e dois anos e estes acontecimentos fizeram-me pensar maduramente no futuro.
Em maio do ano seguinte surgiu a oportunidade de ingressar na função pública, através das páginas do Boletim Oficial de Macau, onde era anunciado a abertura de concurso para o posto de Subchefe da Polícia de Segurança Pública
Reunindo todas as condições exigidas, enviei toda a documentação pedida, ficando aguardando a publicação no Boletim Oficial.
Fui chamado para frequentar um estágio de preparação, que frequentei durante um mês, três horas por dia.
Todas as matérias administradas eram já do meu conhecimento e como tal não tive qualquer dificuldades. Três antigos camaradas do exército, naturais de Macau, igualmente concorreram mas nenhum deles participou no est;ágio, não queriam dar-se a esse trabalho e eles lá sabiam o porquê...
Na noite anterior ao dia do concurso, esses meus antigos colegas me pediram que nos encontrasse/mos no restaurante Belo, sito na Avenida Almeida Ribeiro, afim de lhes dar umas lições sobre as matérias que iriam sair no concurso, e de boa fé o fiz.
Chegado o dia do concurso, que era constituído por três provas, uma escrita, outra pratica e a terceira oral, todas elas me correram da melhor forma e como tal esperava uma óptima classificação.
Isso não veio a acontecer porque fiquei colocado no décimo sétimo lugar, como se pode ver nos Avisos e Anúncios Oficiais, publicado em Boletim Oficial no. 24 de 17 de junho de 1967, havendo na altura somente dezasseis vagas.
Vim a saber mais tarde ter havido fraudes nas provas afim de beneficiar agentes de primeira classe da PSP e os meus ex-camaradas do exército!...
A razão era bem simples. Os agentes da PSP que tivessem concorrido por duas vezes e ficassem reprovados no terceiro concurso, ou foi o caso de alguns, passavam compulsivamente para a reforma.
Os meus ex-camaradas, que tinham até sido meus alunos no exército, ficaram classificados em décimo segundo e décimo quinto lugares, pelo "mérito de saberem jogar futebol"!
Não satisfeito com a classificação, através de um advogado tentei recorrer dos resultados do concurso, passado pouco tempo este declinou representar-me, bem como a alguns agentes da PSP, alegando fortes pressões vindas de instâncias superiores!
Juntamente com alguns agentes da PSO, também lesados no concurso, decidimos reclamar junto do Comandante da PSP, informando-o da fraude que existira no concurso, pois para além do dinheiro pago por vários agentes para terem boa classificação, vários menbros do júri não tinham comparecido nas provas práticas.
E por isso a maioria dos agentes concorrentes, que pouco ou nada sabiam e com apenas a quarta classe, apesar das provas desastrosas, como ficou provado na prova escrita, ficaram à minha frente e iriam ser promovidos em breve a Subchefes!
O Comandante, concorcando em parte comigo, disse-me que em breve iria ser aberto outro concurso e que nessa altura me daria uma vaga.
Esta resposta teve o condão de me irritar esclarecendo-o que estava ali para reclamar do concurso e não para pedir quaisquer favores, vinha somente pedir para se repor a verdade.
O concurso tinha a validade de dois anos, como mandava a lei, durante o primeiro ano foram promovidos a Subchefes dezasseis dos concorrentes, incluindo os meus dois ex-camaradas de armas.
O próximo a ser promovido seria eu, tendo ainda esperanças que isso viesse a acontecer.
Cheguei até a ser assediado por um Chefe da PSP que desejava reformar-se, se isso se verificasse a hipótese de eu entrar como Subchefe era bastante grande. Contudo o tal Chefe queria que eu e um outro Subchefe que também seria promovido a Chefe, lhe pagassemos cada um, a quantia de duas mil patacas!
Como se tratava de uma quantia exorbitante para a época, recusámos a oferta ficando aguardando a nossa vaga.
Ainda havia esperanças que entretanto se dissioaram quando o Boletim Oficial veio publicada uma Portaria anunciando que devido à má situação económica do Território, ficavam suspensas as entradas e promoções na Administração Pública.
Esta Portaria estava ferida de ilegalidade porque revogava um Decreto-Lei!
Tudo isto prova que naquela época tudo era possível fazer-se em Macau...
Quem fosse justo e andasse dentro da legalidade, acabaria certamente por ser prejudicado, como ocorrera no meu caso. Se o advogado tivesse aceite a causa que o solicitei, o caso seria enviado para o Tribunal de Moçambique e as coisas levariam anos a serem resolvidas, facto esse que o causídico, pressionado pelas estâncias superiores recusou-se a seguir com o caso.
Passado um ano a situação financeira do Território já estava mais desafogada, sendo necessário preencher os quadros das polícias, tornou a ser aberto concurso para Subchefe da PSP, concurso esse que não quis participar, decidindo submeter-me às provas de acesso para agente de segunda classe da Polícia Marítima e Fiscal, tendo ficado sido classificado em primeiro lugar.
Nunca mais pensei na PSP embora tivesse cárias oportunidades para poder concorrer novamente. A primeira experiência tinha sido tão negativa que me desinteressei completamente, mas vim a saber que o Chefe da Secretaria da PSP, um Comissário, devido aos fraudes no concurso a Subchefe a que me submeti e a um concurso de agentes de segunda classe para primeira classe, foi condenado a uns anos de prisão e expulso da PSP, porém a verdade desses mesmos concursos nunca foi reposta.
Foi assim que passei a ser um Polícia e durante o tempo em que pertenci aos quadros da PMF vi e aprendi imensas coisas.
Tentei sempre ser um Polícia exemplar embora talvez nem sempre o tenha conseguido. Este é o dilema das pessoas sérias.
Enfim, no entanto no computo geral, nem tudo foi negativo, embora tenha sido muitas vezes prejudicado devido às alterações havidas nos regulamentos sempre que cocorria a um posto superior.
Contra todos os regulamentos e leis em vigor desempenhei as funções de Adjunto e de Comandante de Divisão, funções essas que só podiam ser desempenhadas por um Comiss;ário Principal.
Isto não é um lamento mas apenas um desabafo, pois felizmente a pensão que recebo é suficiente para poder levar umna vida desafogada.
Podia ser melhor, mas para uma pessoa não ambiciosa no que diz resoeito à parte monetária chega para se ir vivendo.
Haja saúde.
Nos episódios seguintes irei relatar algumas passagens interessantes, vividas como Polícia, podendo os prezados leitores tiraram as suas conclusões.