o mar do poeta

o mar do poeta

o mar do poeta

o mar do poeta

sexta-feira, fevereiro 25

PORTUGUESES, O PRIMEIRO POVO EUROPEU QUE CONTACTOU COM A TAILÂNDIA

Wednesday, April 30, 2008


PORTUGAL NA TAILÂNDIA - O RESSUSCITAR DO "BAN PORTUGUETE"

1 PARTE
De muito que tenho escrito, em cima das relações históricas entre Portugal e a Tailândia, em realidade, nunca me aprofundei demasiadamente, como sob um "matagal", que foi espaço onde viveu uma comunidade luso/tailandesa por cerca (os meus cálculos) de 240 anos, veio à luz do dia as ruínas a igreja de S. Domingos. O local de nome "Ban Portuguet" (Aldeia dos Portugueses) com dois quilómetros de comprimento e trezentos metros de largura, houveram ali casas; hortas, lameiros de arroz, crianças (produto da mistura de sangue luso e siamês), missionários de batinas pretas com o breviário e terço nas mãos; mulheres siamesas, casadas com homens portugueses, os já caldeados de sangue, ocupando-se, no amanho das terras para o sustento de suas famílias. Os homens, uns ao serviço dos Reis de Ayuthaya; outros estabelecidos com pequenas lojas onde vendiam ou comerciavam os produtos da terra e ainda com forjas onde trabalhavam o ferro para as alfaias, agrícolas, braçais, para a revolver a terra e esta produzir comida. Nas baixas, adjacentes, búfalos submersos na água lamacenta, com a cabeça de fora. Naquela extensão de dois quilómetros foram erigidas três igrejas e, segundo os cálculos de vários historiadores no "Ban Portuguete" viveram mais de duas mil almas. Havia por ali muita paz e amor. É que o português emigrante e porque tenho conhecimento da minha longa caminhada por este mundo adiante é um "pobre diabo"! A assimilação a outras raças é impressionamente. Desde que "faça" filhos, em qualquer parte do globo, raramente, os abandona. Mas a vida a paz do "Ban Portuguete" terminou em Abril de 1767. As disputas políticas entre países por norma terminam em guerras e desgraças para as populações. E sob o infortúnio do destino ficou a comunidade lusa/tailandesa de quando o exército birmanês invadiu e queimou, selváticamente, os templos os palácios de Ayuthaya e matou descriminadamente dentro dos muros da cidade real. O " Ban Portuguete" e porque se distanciava a uma razoável distância da cidade real e vizinho da comunidade chinesa, foram os últimos aceitarem a rendição à soldadesca birmanesa. No "Ban Portuguete" havia armas (bem temos a convicção de tal dado que apareceu uma coronha de uma espingarda de quando as escavações) e homens que sabiam manejá-las, lutar e defender o seu território, sua família e os seus haveres. Não foi fácil aos birmaneses ter conseguido a rendição. Por terra não havia acesso, em Abril, por norma os campos de Ayuthaya estão alagadas e o único caminho, acessível, obrigatoriamente teria que ser o rio Chao Praya (Praiá). A extensão de dois quilómetros, junto à margem estava bem defendida.


Ainda sou do tempo que no canal de envolvia o "Ban Portuguete" havia manadas de búfalos de água. O tempo a vida moderna fê-los desaparecer
A saída só aconteceu depois de um oficial birmanês empunhando uma bandeira branca foi autorizado entrar no "Ban Portuguete", para negociar a rendição e dada a garantia que poderia a comunidade luso/siamesa abandonar o seu território em paz. Já por várias vezes temos escrito que de quando a queda de "Ayuthaya" a capital do Sião, não havia comunidade europeia, residente, significatica. A pouca que existia (alguma holandesa) fugiu apavorada em direcção a Banguecoque em juncos chineses e dali para outros destinos da Ásia. Na queda da capital, está a comunidade portuguesa, a chinesa (mais numerosa) e a malaia. Comunidades que foram transportadas em barcos e recolocadas, pelo General Taksin (o libertador do Sião) em Banguecoque. Mais tarde voltaremos ao assunto sobre o novo destino dos portugueses. As ruínas de Ayuthaya, ainda fumegantes, ficaram por alí abandonadas, o ouro roubado, os seus templos e as estantes com livros que davam conta da história, do Reino do Sião, foram achas queimadas na fogueira. Durante 25 anos visitei dezenas de vezes o "Ban Portuguete" e sob a superstição das pessoas que viviam nas imediações da igreja de S.Domingos, diziam-me que eu séculos atrás tinha ali vivido, voltei a nascer e voltar ao "Ban Portuguete". Evidente que não vivi lá, séculos atrás e não voltei a nascer...Ayuthaya foi sempre um lugar que me agradou visitar e sempre ali encontrei um clima de paz e um retiro espiritual. Há uns 20 anos transportei uma delegação, portuguesa, da INTERPOL, chefiada pelo juiz Vidal (não me recordo o primeiro nome) ao "Ban Portuguete" e depois de visitar as ruínas, o juiz deitado num estrado de madeira colocado sob a sombra de uma árvore tamarindeira e diz: "sinto-me aqui como os portugueses de séculos atrás"! Igual me sinto, no Ban Portuguete" como o Homem de Leis.


Slides de um desenho do mapa do Ban Portuguete que teria sido elaborado pelo cônsul Dr. Joaquim Campos, que nos dá a certeza que depois da queda de Ayuthaya, em 1767, foi o primeiro português a visitar o local. E deseja chamar a posse dos terrenos a Portugal.
(Clicar na foto para aumentar o tamanho)

Vamos descrever a localização do "Ban Portuguete", inserido no desenho e muito bem elaborado que se apresenta como era quando o conheci no princípio da década oitenta do século passado:

1- Um canal que dividia o "Ban Portuguete" ou a fronteira a demarcar o terreno. Esse canal mais tarde foi encurtado para dar lugar a uma estrada de "terra", hoje alcatroada. O canal foi uma via importante de comunicação entre o aldeamento e a capital. Os moradores deslocavam-se em almadias até ao rio "Chao Praya", para se deslocar à cidade real;

2- O rio Chao Praya e a via principal de comunicação de Ayuthaya. A estrada fluvial para a movimentação chegada e escoamento dos produtos que produzia o Reino do Sião.;

3- Ruínas da igreja de S.Paulo dos Jesuitas. Tudo leva a crer que muito em breve as escavações vão ter início, sob o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian;

4- Igreja de S.Domingos, escavadas as ruínas e ali construído um edifício museu, inaugurado em 2 de Abril de 1995;

5- Igreja de S.Francisco soterrada e penso que perdida dado que o terreno passou a uma entidade particular;

6- O mapa assinala, apenas, dentro da área do "Ban Portuguete" 6 casas. Duas assinaladas no campo da igreja de S. Domingos ainda as conheci, que seria depois deslocadas e construidas a expensas do "Fine Arts Departmente", na área do campo e ao lado esquerdo da margem do rio junto a outras habitações de outros descendentes de várias gerações de católicos;

7- Assinala um cemitério um pouco distante da parte de trás da igreja de S.Domingos. Ouvi, no princípio que conheci o Ban Portuguete, pelo director do Fines Arts Department em Ayuthaya (o velho amigo Patipat) a indicação dessas ruínas, mas que nunca as cheguei a conhecer. Despareceram;

8-São terrenos, descritos, pertencendo a siameses, que serviam para cultivo de arroz o cereal principal e de grande produção e cultivado em toda a área de Ayuthaya. A região era o principal celeiro de abastecimento à cidade de Banguecoque. Porém e como designação curiosa é que o Dr. Joaquim Campos já assianala, no mapa/rascunho que os terrenos onde foram eregidas as igrejas: de S. Francisco, S. Domingos e S. Paulo, já estão na posse da Missão Francesa! Insólito é certo e teremos que aceitar que mais tarde os "missionários" franceses de volta a Ayuthaya, tomam conta daqueles espaços de que até eles professando e divulgando a mesma fé aos siameses nunca os missionários da Missão Francesa tiveram bom relacionamento com os missionários do Padroado Português do Oriente. Foram mais de um século de disputas e atritos, silenciosos, entre as duas comunidades cristãs. Os missionários franceses não chegaram a Ayuthaya com o propósito de fazer caridade ou divulgar a religião. Estavam ali como agentes do Rei de França

Foram os portugueses que ensinaram os siameses a arte de malhar e trabalhar o ferro
Mas vamos ao tema a tratar: O "Bang Portuguet" os dois quilómetros de comprimentos depois da comunidade o ter abandonado ficou à mercê de assoreamentos das cheias do rio Chao Praya; a vegetação voltou numa floresta cerrada. As folhas caidas das árvores e a humidade constante foi soterrando, o que restava das três igrejas e todos os outros vestígios que assinalavam a presença humana. Por mais de dois séculos o "Ban Portuguete" ficou completamente abandonado. A abundância de terras no Reino do Sião e a escassa população do reino, para um território tão extenso, não era o "Ban Portuguete" procurado para o fazer voltar à vida. Bem razão nos dão estas afirmações de quando o cônsul dr. Joaquim Campos, pretende fazer reviver a história de Portugal na Tailândia. O Dr. Joaquim Campos, historiador e médico chega a Banguecoque para assumir a gerência do consulado em 1936. Embora não tenha nascido em Portugal, mas em Goa a 11 de Outubro de 1893, possuia um patriotismo invulgar e amor para com a história de Portugal na Ásia. Depois da queda de Ayuthaya, teria sido o Dr. Campos o primeiro português que visitou o "Ban Portuguete". Pensamos que outro cônsul de Portugal, Guilherme Ferreira Viana, teria tido o desejo de o visitar e fazer algo, perante a coroa tailandesa para o recuperar. Porém, o cônsul, que tomou conta da gerência do consulado em 16 de Setembro de 1868, morreu afogado (em condições estranhas) no Rio Chao Praya, na localidade de Sena e a uns 12 quilómetros do "Bang Portuguete". O cônsul, quando foi acreditado como representante de Portugal no reino do Sião era um jovem de 28 anos, dinâmico e, ainda, o primeiro diplomata enviado de Lisboa pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, para gerir a missão diplomática de Banguecoque. Um rapaz na flor de sua juventude e com todo aquele patriotismo (que existia naquela época) que encerrava no seu ser o pretender chamar a Portugal o direito das terras, doadas pelos Reis da Tailândia e que a Igreja Católica se tinha assenhorado, em Banguecoque, em Ayuthaya cuja pertença era da comunidade lusa/tailandesa e Portugal.




O Viana foi convidado para assistir a uma cerimónia da caça ao elefante em Ayuthaya. Levaram-no para os lados do caminho para Supamburi, depois de uma almoçarada (dizem!!!) o jovem deu um mergulho nas águas tépicas do chao Praya e uma congestão acabou-lhe com a vida. E terminaram as pretensões de recuperar as terras ocupadas pela Santa Sé. Nunca aceitamos a versão nem o conteúdo inserido na certidão de óbito pelo médico inglês, Campbell (dado que designa no referido documento, que temos cópia, não lhe ter sido autorizado a fazer a autópsia ao corpo), mas vamos mais para o lado que o infeliz cônsul, ingénuo, acreditou na hospitalidade dos amigos e lhe teriam envenenado a comida e já na agonia e inconsciente o enfiaram na água para despistar a causa da morte. O cônsul Ferreira Viana, estava a bulir em assuntos muitos sérios e com uma carga de interesses (de diferentes ângulos) de tal ordem que para que fosses estagnada a pretensão o melhor caminho seria o eliminá-lo. Bem razão nos dá, hoje, o que afirmamos dado que a Santa Sé, nos últimos anos, em Banguecoque, em nome da cruz e da fé no Santíssimo Sacramento, tomou posse de terrenos e até os cemitérios não escaparam à profanação.

O Dr. Joaquim Campos no dia 25 de Maio de 1937, enviou a Lisboa com o epígrafe: "Relatório sobre as propriedades portuguesas no Sião na posse alheia com documentos anexos". Passo a transcrevê-lo até porque, creio, será de utilidade a todos aqueles que pretendem aprofundar-se, no futuro, no relacionamento histórico entre Portugal a Tailândia. A história dos países é uma parte fundamental para o bom relacionamento com entre eles. Porém os "homens bons" e representantes de Portugal no estrangeiro nem sempre têm levado este assunto no caminho, certo, que deveria ter. Igualmente, também, que muitas vezes existe a indolência e o desinteresse dentro dos meandros dos gabinetes (Lisboa) onde impera a acção da frase: "nem lá vou nem faço nada"! Por isso a história de Portugal, principalmente, a da expansão está em decadência e com um horizonte escuro. Vamos à carta do Dr. Campos:

Exmo Snr. Director Geral da Fazenda Pública

Ministério das Finanças
Lisboa
Tenho a honra de enviar a V.Exa o Relatório sobre as quatro velhas propriedades portuguesas hoje possuídas por outros donos, juntando alguns documentos e mapas referentes as mesmas propriedades.

Como V.Exa verá, a questão de reivindicar os direitos do Estado a estas propriedades estão ligadas diferentes circusntâncias quanto a sua concessão e quanto as entidades portuguesas que as possuiram isto é (I) portugueses vivendo em comunidades (2) El-Rei de Portugal (3) Padroado d´El-Rei de Portugal etc.

Por falta de co-ordenação de documentos tem havido muitas confusões nos espíritos até dos nossos próprios cônsules antigos no Sião como Guilherme Ferreira Viana e o Frederico António Pereira, pois estes documentos em épocas diferentes andaram dispersos uns em Macau e outros em Gôa, e ainda outros em Lisbôa onde foram mandados os documentos do arquivo de Bangkok. Como me viesse dedicando ao estudo dos assuntos desta ordem desde há muitos anos e especialmente desde a publicação em Inglês da minha obra intitulada " Históry of the Portuguese in Bengal", em 1919, e conhecendo também alguns valiosos documentos que este Arquivo histórico de Gôa, eu tenho pedido co-ordenar os factos relativos às propriedades em face dos documentos e destrinçar o que se refere a actual Feitoria e as outras concessões. Não é porisso difícil agora estabelecer legalmente direitos do Estado às propriedades das alienadas havendo porém único receio da prescrição que talvez vá prejudicar a causa sendo levada a tribunais.

Quando a vasta propriedade de Aiuthia que está nas mãos de diversas donos sem mesmo terem títulos de posse, temos de entendermo-nos com o Governo do Sião. Eu farei todas as diligências necessárias logo que tenha instruções dessa direcção. Mas ofereçe-se agora boa oportunidade porque está em projecto o novo Tratado entre Portugal e o Sião, e durante estas negociações seria conveniente tambem abrir a questão da propriedade de Aiuthia. Embora a restituição da propriedade não faça parte integrante do Tratado, pode-se chegar a um acôrdo sobre a mesma. A questão da restituição das outras três propriedades que estão nas mãos da Missão Francesa fica em outro plano de acção. Pois temos de fazer a devida representação de factos em Roma baseando a reclamação e em documentos incontestáveis.
Vou pedir ao Governo de Gôa reproduções fotográficas das cartas originaes do rei do Sião escritas em siamês, como tambem cópias das cartas originaes em Português que as acompanhavam. No caso que o Papa não queira atender o nosso pedido podemos então levar a questão ao Governo do Sião ou aos tribunaes se é que fôr possível evitar a prescrição.
Por, ora, seja no caso da propriedade de Aiuthia ou no das outras propriedades, é conveniente tomar os passos em Lisboa - no primeiro por causa do projecto do Tratado e no segundo porque é uma questão com a Roma. Não sei se poderia eu servir os interesses do Estado melhor indo a Lisboa com todos os elementos e informações para fornecer a essa Direcção e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros durante os dias em que o Ministro Plenipotenciário do Sião hade estar lá para discutir as bases do Tratado. Mesmo para formar os processos sobre o Campo do Rosário, o de Santa Cruz e o de Samsem afim de envial-os a Roma e co-ordenar os documentos uns dos quais estão em Goa e outros em Lisbôa e sobre os quaes tem havido já muitas confusões, seria de grande conveniência que se fizesse tudo isto em consulta com essa Direcção.
Além disso desejaria, se essa Direcção concordar, abrir a questão de imposto que o Govêrno do Sião tão injustamente lançou sobre a actual Feitoria. Na ocasião quando correu a longa discussão entre o Govêrno do Sião aconselhado por um inglês chamado Stevens e este Consulado sobre o lançamento deste imposto, não se tomou em devida conta que a Feitoria fôra, concedida livremente pelo rei do Sião exactamente para os fins de negócio e lucros por causa dos quaes foi lançado imposto.
Se V.Exa acha que é conveniente que venha a Lisbôa com a devida licença será necessário que por conta da Feitoria ou da fazenda seja paga a passagem de ida e volta e uma subvenção durante os dias de residência em Lisbôa. Eu pessoalmente não tenho nada que ganhar com a viagem e pelo contrário durante a ausência hei de perder os proventos da minha clínica de médico. O meu único intuito é bem servir a Nação e ver restituídas as propriedades alienadas. V.Exa resolverá melhor se a despeza será justificável.
Em todo o caso, vá ou não vá a Lisbôa, farei tudo o que fôr possível aqui em Bangkok ganhar o fim que temos em vista e para o que aguardo as instruções de V.Exa.
Aproveito desta oportunidade para reiterar a V.Exa os protestos da mais alta consideração.
A Bem da Nação
O Cônsul
Entretanto como observação curiosa o Dr. Joaquim Campos refere-se que iria ser discutido um Tratado entre Portugal e a Tailândia. Como representante deste país, Ministro Plenipotenciário do Sião, em Lisboa. No artigo abaixo (deste blogue) o Prof. Anake Kijjoa na sua tradução numa parte refere-se passagem seguinte:
" A "casa portuguesa", situada na margem do Rio Chao Praya, tinha uma área de 2 quilómetros quadrados, rodeada de canais e, por isso, é muitas vezes designada de "ilha portuguesa".Neste momento apenas restam ruínas das igrejas que existiram em Ayuthaya, na freguesia de Sam-Pau.Lom, conselho de Pranakorn Sri Ayuthaya. O Departmento de Belas Artes considerou estas ruínas como património de Estado através do Decreto lei, livro 55, no dia 27 de Fevereiro de 1938. Os portugueses, podem assim, ser considerados o primeiro povo a difundir o cristianismo em Ayuthaya".
Nota nossa: "não conhecemos o Tratado acima referido e também desconhecemos o conteúdo e se o terreno onde estão localizadas as três igrejas se o decreto as confere a Portugal ou ao Reino do Sião.
(Transcrito, fielmente, na ortografia da época)José Martins
Continua

Sunday, April 27, 2008


HISTÓRIA DE PORTUGAL NA TAILÂNCIA - TRADUÇÃO DE ANAKE KIJJOA


Ao acaso e na nossa continuada "vasculhação" de papeis, encontramos uma cópia de uma tradução da língua tailandesa, para a portuguesa, efectuada por Anake Kijooa, Professor Auxiliar do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto. Não conhecemos o artigo e não sabemos em que data tenha sido publicada e e qual a publicação. A cobertura das 18 páginas do texto insere uma carta escrita pelo punho do professor Anake, datada em 10 de Outubro de 1984 e dirigida ao Senhor Embaixador, que na altura a gerência da Missão Diplomática de Portugal estava ao cuidado do Embaixador Mello-Gouveia. É um documento de certa importância que bem merecia ser editado. Vou transcrever fielmente a tradução. Em 1984 nós já estavamos ligados à embaixada, mas como acima referimos nunca conhecemos na embaixada o tradutor. A carta:

Gondomar, Portugal - 10 de Outubro de 1984 - Caro Senhor Embaixador, Finalmente consegui acabar a tradução do artigo que o senhor embaixador me enviou. Queria pedir desculpa por ter demorado mais tempo do que o previsto. Na realidade, o artigo escrito em tailandês está bastante confuso, pois não está muito claro em alguns aspectos. Tive que escrever muitos rascunhos e tentei ligar os parágrafos que estavam muito descontínuos.Espero que meu manuscrito seja legível. Não tive hipótese de escrever à máquina, pois queria mandar o mais rápido possível.Antes de acabar queria lhe agradecer novamente por me ter dado oportunidade de fazer este trabalho bem interessante. Gostaria que o senhor embaixador me escrevesse para criticar essa tradução. Aproveito para mandar os meus cumprimentos para a senhora embaixatriz e um beijo para Alexandra. Igualmente gostaria de mandar meu abraço para o pessoal da Embaixada.
Um grande abraço



PORTUGUESES, O PRIMEIRO POVO EUROPEU QUE CONTACTOU COM A TAILÂNDIA

No princípio do século XV D. Henrique de Portugal começou a planear uma viagem marítima para a zona do Oceano Índico, com a finalidade de procurar estabelecer contactos comerciais e, também, para difundir o cristianismo. Iniciaram-se os preparativos que incluiram o recrutamento de homens, a reunião de cartas de navegar com indicações das costas rochosas, ilhas e portos onde poderiam acolher no caso de tempestade, assim como a construção de um barco capaz de transportar alimento, água e artigos para comércio. Navegaram depois para oriente, passando África, chegando à Índia. Antes do falecimento do Conde D. Henrique em 1460, houve evidências de que os portugueses conheciam ilhas e arquipélagos no Índico de leste e tinham até planos para conquistar territórios do Oriente. Neste período, Colombo, o grande navegador que era casado com a filha de um capitão de navegação entregou aos governantes portugueses o mapa com a indicação da rota para chegar à Índia, pelo Oeste. Os conselheiros da côrte portuguesa rejeitaram a oferta, pois consideravam-na inviável, confiando mais no plano estabelecido por D.Henrique. Finalmente, em 1498 os portugueses chegaram à Índia.

DIVISÃO DO MUNDO EM DOIS HEMISFÉRIOS

No século xv , Portugal e Espanha competiam entre si para possuirem o domínio da navegação e ao mesmo tempo, estabeleceram colónias. Esta situação traduzia-se em conflitos que tendiam a agravar-se. Entretanto, o Papa Alexandre XV tentou uma conciliação através de assinatura, pelos 2 países, do tratado de Tordesilhas. Este tratado visava dividir o mundo em duas partes, o hemisfério Leste e o Oeste, cabendo à Espanha procurar territórios na parte Leste a Portugal, na parte Oeste, tendo como condição a obrigatoriedade de difundir a fé cristã na sterras que fossem encontradas. Quinze anos depois do acordo referido, Portugal nomeou três cônsules, Vasco da Gama, Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque, com a finalidade de controlarem o comércio nas terras onde se encontravam e onde edificaram fortalezas. Os interesses comerciais centravam-se no negócio de especiarias, porcelanas, sêda, algodão e madeiras, com países europeus. Após a conquista de Goa em 1510, os portugueses utilizavam aquela praça como base importante de comércio com países do Golfo Pérsico, Arábia e Mar Vermelho. esta situação tornou possível e extensão dos contactos de portugueses, por via marítima, o que levou a descoberta da ilha de Ceilão e o território da costa oeste da Índia. Em 1511 com a conquista da Malaca, foi possível a Portugal estabelecer, contactos comerciais com países a Leste e Oeste da Malásia, Sião Anam e Iampa e, finalmente, chegar até à Costa da China e do Japão. Para manterem a sua presença e a sua influência marítima e ainda proteger os seus interesses comerciais, os portugueses construiram centenas de fortalezas nas costas africanas, Sul da Ásia e Oeste da Índia, até mesmo na costa da China, onde conseguiram ocupar Macau, em 1557. Malaca foi uma cidade muito interessante para os portugueses como é referido no relato enviado por Tomé Pires a D.Manuel, rei de Portugal em 1516.




"Não se pode calcular o valor de Malaca. Esta cidade tem tantos artigos comerciais e é muito mais importante que outras cidades do mundo. Quem conseguir ocupar esta cidade é capaz de estrangular rápidamente o poderia de Veneza".

Tomé Pires tinha um plano que consistia em comprar especiarias em Malaca para depois as vender aos venezuanos, em vez de as comprar do Egipto. Os lucros que daí advinham tornariam Portugal um país rico, mesmo no que se refria a previsões futuras. A fortaleza gigantesca que os portugueses construiram em Malaca e que era designada de " A Famosa", evitou que outros países conseguissem conquistas aquela cidade, protegendo assim os interesses comerciais com ela relacionados. O comércio com Sumatra e Java, utilizando como base as Molucas e Makascar permitiu não só negócios com Ternes, Tidor e Celebes como tambem a descoberta de rotas para Borneo, Banda, Bintang, Sundra, Flores, Timor e várias ilhas. Isto fazia supôr que os portugueses poderiam chegar às costas australianas.

CASAMENTO COM MULHERES NATIVAS - UMA POLÍTICA DE HOMOGENIZAÇÃO

Durante aquela época, Portugal que era um país predominantemente agrícola, tinha uma população que não chegava a um milhão de habitantes é, que se debatia com epidemias que arrasavam toda a Europa, além disso, tinha de organizar constantemente a defesa contra Espanha. Apesar de tudo isto, Portugal conseguia manter os territórios colonizados a funcionar como centros comerciais na zona do Oceano Atlântivo, costas sul e Oeste da África e em vários portos da Ásia. Afonso de Albuquerque era capitão que planeava e mantinha o poder nesta zona. Para o conseguir usava a política de encorajar os soldados e tripulantes a casar com raparigas nativas, em todas as terras conquistadas. Na Ásia foi um sucesso este tipo de procedimento pois, as raparigas asiáticas, consideravam interessante casar-se com portugueses pois essa situação além de chamar a atenção conduzia a um estado finaceiro melhorado. A política de homogenização já mencionada foi facultada pelos mestiços, filhos de pais portugueses e mães nativas, pois eram fieis a Portugal que era um país que surgia de novo para se estabelecer no território. Os filhos de pais portugueses viviam privilegiadamente, tanto em conforto com em protecção, no que se refere a tratamento especial em tribunal e outras actividades na sociedade. Afonso de Albuquerque incentivou ainda o treino em carreiras profissionais tais como para pessoal de escritório, trabalhos manuais, construção naval e outras profissões que, naquele tempo, eram solicitadas. Além de tudo isto, fosse onde fosse que os portugueses se estabelecessem, sempre construiam uma igreja e um hospital, um conjunto a que se chamava Santa Casa da Misericórdia e que servia ao mesmo tempo como ponto de difusão da religião e de centro de apoio a doentes. Um exemplo bem notório foi o do hospital para tratamento de lepra, construído em 1569 em Macau, que era um dos poucos hospitais existentes na época com esta finalidade, mesmo na Europa. Os portugueses eram um povo pacífico com grande capacidade e adaptação aos povos asiáticos. Não eram racistas nem se consideravam superiores, pois acreditavam fundamentalmente que o valor humano não depende da cor da pele ou da raça, mas sim da qualidade de cada indivíduo.

INÍCIO DOS CONTACTOS COM AYUTHAYA

Os portugueses foram o primeiro povo europeu que contactou com Ayuthaya em 1511, no reinado do rei Rama Tibodi II, após a conquista de Malaca por Portugal. Malaca era possessão do reino de Ayuthaya mas o Sultão cancelou o envio do tributo para o Rei de Ayuthya. Em 1455, no reinado do rei Pra Boromtrilokanart, em virtude de não ter sido possível subjugar o Sultão de Malaca, esta foi deixada independente até que foi finalmente conquistada pelos portugueses. Como Afonso de Albuquerque, o capitão português não tinha possibilidade de sustentar uma guerra em duas frentes, com Malaca e com Ayuthaya, enviou o embaixador Duarte Fernandes, que era portador de uma mensagem e presentes, para contactar com o Rei Rama Tibodi II. Por resposta este Rei recebeu-o muito bem, expressando a vontade de fazer amizade com Portugal para assim conseguir direitos especiais para negoar com Malaca. Poucos anos depois, em 1518, Portugal enviou seu embaixador Duarte Coelho para fazer um pacto de paz e comércio com Ayuthaya. Este pacto implicava, da parte de Portugal, ajuda militar e, da parte de Ayuthaya, a cedência de facilidades para os portugueses se estabelecerem e liberdade religiosa.


Uma das mais belas imagens da presença dos portugueses em Ayuthya que conheço. Pouca gente sabe onde se encontra. Um mural no templo "Wat Pradu Song Than", onde o pincel de um pintor registou na parede a acção dos soldados lusos na defesa de Ayuthaya
Este foi o primeiro pacto que Ayuthaya estabeleceu com um país europeu. O estabelecimento deste tipo de relações levou a que os portugueses se fixassem cada vez em maior número e a sua influência fez-se sentir em vários áreas: construção de fortalezas, de fábricas de armas e munições. e ainda fazendo parte, como soldados, do exército tailandês em luta com a Birmânia.



Nestas ruínas viveu uma comunidade lusa/tailandesa por cerca de 256 anos. Homens portugueses contribuiram para o desenvolvimento e defesa do Reino do Sião. O silêncio das ruínas voltaram à luz do dia e à glória depois de séculos enterradas. Graças ao embaixador Mello Gouveia, meu mestre , a presença lusa em Ayuthaya está vinculada no Ban Portuguete (Aldeia dos Portugueses).

No reinado do Rei Chairajathurai, em 1536, havia 120 portugueses como soldados da côrte e, alguns, tornaram-se conselheiros. Para corresponder a ajuda prestada pelos portugueses, aquele Rei cedeu uma área de terreno situado na margem Leste do Rio Chao Praya, no Sul de Ayuthaya para que eles aí se estabelecessem. Naquela época o número de portuguese que se encontravam naquela cidade era de cerca de 2000 e o bairro onde habitavam ficou conhecido por "Casa Portuguesa", designação que ainda hoje se mantem. Os portugueses gozavam de liberdade religiosa e construiram três igrejas, a de São Paulo, São Domingos e São Pedro (Nota Nossa: a igreja designada São Pedro é a de São Francisco). Acredita-se que outras igrejas poderiam ter sido construídas. A "Casa Portuguesa", situada na margem do Rio Chao Praya, tinha uma área de 2 quilómetros quadrados, rodeda de canais e, por isso, é muitas vezes designada de "Ilha dos Portugueses". Neste momento apenas restam restam ruínas das igrejas que restam em Ayuthaya na freguesia de Sam Pan Lom, conselho de Pranakorn Sri Ayuthya.


Sua Alteza a Princesa Maha Chakri visita a "casa portuguesa" em Ayuthaya. Pouco depois do embaixador Mello Gouveia dar início ao projecto das escavações da Igreja de São Domingos.

O Departamento de Belas Artes considerou estas ruínas como património de Estado através do Decreto Lei, livro 55, no dia 27 de Fevereiro de 1938. Os portugueses podem, assim, ser considerados o primeiro povo a difundir o cristianismo em Ayuthya. Existe um relato escrito por um europeu em 1544, registando a chegada de um português, António de Paiva, a Ayuthya, no reinado do rei Chai Raja Thiraj e que, após uma troca de impressões tida em audiência com o Rei, este foi baptizado, e tomou o nome de D. João. Este acontecimento foi muito marcante naquela época.Mais tarde, em 1560, dois padres portugueses, o padre Jerónimo da Cruz e o padre Sebastião do Canto, vieram de Malaca até Ayuthaya para difundirem o cristianismo, foram muito bem recebidos pelos comerciantes portugueses e pelos elementos da côrte que providenciaram habitações para os dois padres. Entretanto registaram-se incidentes entre muçulmanos residentes de Ayuthaya e portugueses devido a divergências religiosas, das quais resultaram o assassínio do padre Jerónimo da Cruz e ferimentos no padre Sebastião do Canto. O rei de Ayuthaya pretendia fazer justiça ao assassino do padre português mas, a pedido do padre Sebastião do Canto, foi-lhe perdoado o crime. Esta atitude de clemência teve grande repercursão positiva sobre o conceito que o Rei de Ayuthaya fazia do prelado português.

DIMINUIÇÃO DA INFLUÊNCIA PORTUGUESA

Entre 1566 e 1580. Portugal esteve sob o domínio do Rei Filipe II da Espanha o que provocou um decrescimento da influência marítima e comercial de Portugal no Oriente. Esta situação reflete-se necessáriamente nas relações com Ayuthaya onde, por sua vez, o comércio com os holandeses teve um grande incremento. Embora as relações com Portugal continuassem amistosas, o que prova pelo envio do seu embaixador para Goa em 1607 pelo Rei Eka Tosa Ros, os contactos com os holandeses tinham preferência. Esta influência holandesa preocupava os portugueses pelo que em 1617, no mesmo reinado, surgiram desinteligências entre Portugal e Ayuthaya visto ter sido assinado um acordo com a Holanda, para estabelecimento de negócio de couro.


Igreja de S.Domingos. Ban Portuguete nos anos de 1985

Em represália os portugueses capturaram um barco holandês mesmo após instâncias do Governo de Ayuthaya para que o barco fosse devolvido. Esta situação de litígio foi de pouca duração, pois foi estabelecido um acordo posteriormente. No ano seguinte, o Rei Eka Tosa Ros enviou o seu embaixador para Goa, sendo portador de e presentes para o Rei de Portugal. O novo monarca de Ayuthaya, Rei Thong Tham ocupou o trôno em 1620 e de imediato enviou a Goa um embaixador com a incumbência de agradecer a Portugal a ajuda que este país tinha prestado na luta com a Birmânia, cedendo a Portugal de Mô-ta-Ma para ser utilizada como base da marinha. Em resposta, Portugal enviou um padre como embaixador para tratar dos assuntos relacionados com aquela base e, também para fortalecer as relações de amizade entre os dois países. Embora tivessem sido feitas tentativas para que a amizade entre Ayuthaya e Portugal puderasse,a influência holandesa era cada vez mais forte de tal modo que conseguia controlar as rotas de navios comerciais entre Malaca e Goa. Em 1622, Macau foi capturada pelos holandeses e, as relações com Ayuthaya, intensificaram-se de tal forma que a amizade entre Portugal e aquela cidade se deteriorou um pouco durante algum tempo. Em 1624 os portugueses capturaram um barco holandês no Rio Chao Praya. O Rei Thong Tham mandou capturar o capitão português e exigiu aos portugueses a devolução do barco. Entretanto Portugal e Espanha fizeram tensões de declarar guerra a Ayuthaya e aprisionaram vários comerciantes tailandeses que negociavam na China. O Rei Thong Tham ordenou ao exército de Ayuthaya que lutasse com os portugueses e espanhois e a guerra que daqui resultou estendeu-se até Manila. Mais tarde, no reinado do Rei Prasat Thong, em 1631, foi ordenado o aprisionamento de barcos portugueses assim como a captura de portugueses como reféns. Nesta altura, um grupo de portugueses que chegou a Ayuthya e os seus componentes intitularam-se embaixadores de Portugal, conseguindo assim recuperar os comerciantes presos. Quando o Rei Prasar Thong teve conhecimento que tinha caído num logro, pois os embaixadores do Rei de Portugal eram simples homens de negócios, ficou muito aborrecido com o acontecimento e como represália, mandou capturar todos os barcos portugueses e espanhois que estavam ancorados perto de Ayuthya mas deixando livres os tripulantes, tendo estes por missão o enviar uma carta ao governador portuguÊs em Manila. Esta carta do rei Prasat Thong tinha por objectivo comunicar que se os portugueses e espanhois pretendessem como antigamente, nada teria a opôr. Assim, em 1633, Portugal enviou o seu embaixador para renovar o tratado de amizade com Ayuthaya enquanto um embaixador tailandês se estabelecia em Manial, em 1636, Aquando a conquista do trono do Rei Suthamm Raja pelo rei Narai este foi ajudado militarmente por portugueses, tendo participado na operação cerca de mil portugueses. Quando o Rei Narai enviou os seus embaixadores para França, em 1684, este fizeram uma visita a Portugal para mostrar ao Rei português o seu reconhecimento pela ajuda recebida.


ESTABELECIMENTO DE PORTUGUESES EM THOMBURI E BANGUECOQUE

Quando em 1767 os birmaneses destruiram Ayuthaya, a maior parte dos estrangeiros lá residentes fugiram para seus países de orígem. Mas os portugueses e seus descendentes que já habitavam naquele lugar há longos anos, sendo alguns deles funcionários públicos, militares, médicos ou capitães de navios, decidiram permanecer. Depois do Rei Taksin ter conseguido recuperar a independência e ter mudado a capital para Thomburi, ofereceu aos portugueses em sinal de gratidão, pela ajuda na luta contra os birmaneses, terrenos para que se estabelecessem na nova capital, na margem do Rio Chao Praya, na parte Leste. Ainda há moradores naquela zona cujas famílias usam nomes portugueses, como por exemplo, Jesus e fabricam doces para vender, como sejam ovos moles e fios de ovos, que tem orígem portuguesa. Quando o rei Rama I da dinastia de Ratanokosin mudou a capital para Banguecoque fez oferta de terrenos à então Raínha de Portugal, D. Maria, em 1786, para que os portugueses pudessem montar os seus estaleiros.



Bairro Rosário - Desaparecido . Foto da colecção de José Martins

Os portugueses designaram essa zona "Bairro do Rosário". Este terreno fica situado ao lado da Embaixada de Portugal em Banguecoque. O documento sobre a entrega do terreno para Portugal chegou a Goa em 28 de Dezembro de 1786 e dizia "da consideração pela ajuda que os portugueses deram ao Sião na luta contra os birmaneses". No Reinado do rei Rama II, o governador português em Macau enviou o embaixador Carlos Manuel Silveira para Banguecoque no dia 17 de Outubro de 1817, com a missão de solicitar autorização para que os navios portugueses pudessem negociar com o Sião, com as mesmas facilidades que já tinham tido em épocas anteriores. O Rei do Sião concordou até porque tinha em mente o comprara armas de fogo a Portugal para proteger a capital. O embaixador português ficou em Banguecoque para estabelecer o acordo comercial até o dia 23 de Setembro de 1818. Mais tarde, o Rei de Portugal ordenou ao governador de Goa que fizesse um tratado de paz com o Sião. Essa tarefa foi confiada ao embaixador Carlos Manuel da Silveira. O tratado continha 23 artigos e os conselheiros tailandesese foram convidados a pronunciar-se sobre eles no sentido de sugerirem alterações. Carlos Manuel Manuel da Silveira voltou a Banguecoque a 12 de Abril de 1820 para trazer o tratado e este mencionava ainda a pretensão de que Carlos Manuel da Silveira fosse cônsul geral. Era ainda solitada autorização de residência para o cônsul e a imposição da bandeira portuguesa na respectiva casa. O Rei Rama II acedeu a este pedido e ordenou a entrega do terreno para a construção da casa para Carlos Manuel da Silveira Este lugar foi designado "Ban Ong Chiang Sue". O Rei nomeou Carlos da Silveira "Luan Apai Panich" e deu-lhe a categoria correspondente a conselheiro, na côrte tailandesa. "Ban Ong Chiang Sue" é a actualmente embaixada de Portugal e é a mais antiga embaixada em Banguecoque. Durante o reinado do Rei Rama I o contacto entre o Sião e as colónias portuguesas fortificou-se e a amizade entre os dois países tambem.

UMA AMIZADE MAIS SÓLIDA

O Rei D. Pedro V de Portugal desejava fazer um tratado de amizade mais


Selos e capa (tecida a fio de ouro) do Tratado de 1858 entre Portugal e a Tailândia. Pela parte de Portugal assinou o Embaixador Isidoro Francisco Guimarães que foi recebido no Gran Palace, pelo Rei Mongkut - Rama IV - com as altas honras protocolares

completo com a Tailândia para que as relações fossem tão fortes como o eram entre a Tailândia e outros países da Europa. Para isso, nomeou Isidoro Francisco Guimarães, governador de Macau, como embaixador para que entregasse cartas e presentes para o Rei Rama IV. O navio português chegou ao estuário do Rio Chao Praya em 21 de Janeiro de 1858. Ao Rei Rama IV agradou bastante a proposta do Rei de Portugal e, imediatamente, nomeou um conselho que o representasse para fazer o tratado com o embaixador português. O texto correspondente foi escrito em língua tailandesa e língua portuguesa e continha 39 artigos semelhantes aos existentes no tratado entre Tailândia e Inglaterra. O tratado levou 11 dias a ser elaborado e foi assinado a 10 de Fevereiro de 1858.


VISITA DO REI RAMA V A PORTUGAL
Quando o rei Rama V de Banguecoque subiu ao trono, o monarca português enviou o seu embaixador com cartas e presentes para o novo

Rei Chulalongkorn - Rama V - de quando visitou países da Europa em 1897 (visita pormenorizada convido a um clique www.aquimaria.com/html/aboutth.html )
rei, como era habitual, no dia 21 de Setembro de 1869. O Rei Rama V após a sua segunda coroação foi visitar pela primeira vez vários países da Europa que tinham relações com a Tailândia, entre os quais Portugal. Chegou a Lisboa a 21 de Outubro de 1897, onde permaneceu três dias. Durante a estadia em Portugal foi recebido calorosamente pelo rei D. Carlos I, o que contribuiu para um estreitamento dos laços de amizade entre os dois países. Aquando a sua visita à Europa para descansar, 1m 1902, o Rei Rama V visitou novamente Portugal.

ALTERAÇÕES DO TRATADO PELO REI RAMA VI

O Rei Rama VI tentou alterar os tratados que tinham sido feitos, desde o Rei Rama IV, com vários países de modo, a não prejudicarem a Tailândia, especialmente no que se refere legislação em tribunal. O Rei Rama VI nomeou para essa missão o Dr. Francis B. Sayre, de nacionalidade americana, como representante da Tailândia. O Dr. Sayre chegou a Lisboa em 1924. De acordo com o novo tratado, os portugueses e os homens sob o seu controlo estavam sujeitos à lei tailandesa, sendo assim submetidos a tribunal tailandês. Uma correcção tambem introduzida deu à Tailândia direito sobre impostos alfandegários. O governo português concordou com as alterações e o tratado foi assinado a 14 de Agosto de 1924. Mais tarde, os dois apíses celebraram novo contrato comercial e de navegação em 2 de Julho de 1938, tratdo esse que vigora até hoje. Pode assim concluir-se que há quase 500 anos de amizade entre Portugal e Tailândia, desde Ayuthaya, o que não sucede com mais nenhum país europeu. Durante todo este espaço de tempo Portugal sempre foi um país que, com a sua influência nas áreas tecnológicas e culturais, ajudou a desenvover a Tailândia.
Artigo: Portugueses, o primeiro povo europeu que contactou com a Tailândia, por Boonyok Tamtai
Tradução da versão original tailandês em versão portuguesa por ANAKE KIJJOA*
* ANAKE KIJJOA - Professor Auxiliar do Instituto de Ciêncais Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto - Portugal


MUSEUS DOS CANHÕES

Monday, September 22, 2008

MUSEU DE CANHÕES NUM JARDIM DO MINISTÉRIO DA DEFESA DA TAILÂNDIA


O imponente edifício do Ministério da Defesa da Tailândia

Quem tenha visitado o "Grande Palácio", uma das sete maravilhas do mundo, na cidade de Banguecoque,
certamente quando se dirigia para o local, a seu lado direito, deve ter dado conta de um largo jardim, muito bem cuidado, com peças de fogo expostas, antigas, em seus suportes ou em carretas de duas rodas. Aquele jardim, tratado com esmêro, pertence ao Ministério de Defesa da Tailândia. Sem nos aventurarmos a classificá-lo, poder-se-à, cremos, considerá-lo um dos maiores do mundo. Aquele jardim/museu de guerra não está à disponibilidade do público. Podem, porém, os canhões ail expostos ser fotografos do passeio e como óbvio não se colhem as imagens com qualidade se dentro estivesse, dele a faze-las. Mas as peças de artilharia podem ser fotografadas desde que uma organização vocacionada para para a cultura, missão diplomática, acreditada no Reino da Tailândia, se dirigir por carta ao departamento de defesa. Compreende-se e natural que assim seja dado que dentro de um enorme edifício, construído em 1891 (reinado de Rama V, Rei Chulalongkorn), cujo traço pertence ao General Gerolamo Emílio Gerini, de nacionalidade italiana. Em 1986, acompanhei a jornalista Judite de Sousa, da RTP e no ano seguinte o jornalista da TDM (televisão de Macau), Avelino Rodrigues, para filmarem os canhões e completarem os seus trabalhos em cima das relações históricas entre Portugal e a Tailândia. Na altura o pedido tinha sido feito antes, por nota verbal, directa ao Ministério de Defesa, e assinada pelo punho do chefe de missão, de então, o embaixador José Eduardo de Mello-Gouveia para que fosse facilitado acesso ao "Jardim de Artilharia". Eu tinha interesse de lá voltar outra vez e fotografar todo aquele material, onde me parecia estarem expostas bocas de fogo portuguesas, isto porque Portugal foi o primeiro país da Europa a introduzir a artilharia, moderna, e as espingardas no Reino do Sião, logo após, ter travado relações, em 1511, com o Rei Rama Thibodi II, na segunda capital, Ayuthaya. Por carta, em Abril do ano corrente, dirigi-me ao embaixador e chefe da missão diplomática de Portugal na Tailândia, António de Faria e Maya e graças a seu empenhamento, pouco tempo depois, estava a fotografar os canhões do jardim do Ministério da Defesa. Vasculhando, as cópias, de documentação antiga (autorizado a faze-las por despacho do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, consulado do embaixador Sebastião de Castello-Branco), vou encontrar uma nota do cônsul, de Portugal, do Dr. Joaquim Campos, datada em 12 de Maio de 1939, em que se dirigia ao Ministério dos Negócios dos Estrangeiros da Tailândia, a solicitar, os bons ofícios, para que fosse ao jardim do Ministério de Defesa, obter imagem de dois canhões portugueses que ali estavam expostos. Acrescentava, ainda, o Dr. Joaquim Campos que tinha tido conhecimento do facto num artigo publicado no jornal da "Siam Society". Ora o Dr. Joaquim Campos além de ser cônsul de Portugal e médico era um históriador, por vocação, e mérito e o primeiro historiador, português, que escreveu, em língua inglesa, um brilhante artigo, publicado numa obra, editada pela Siam Society, em 1959 (quando infelizmente, o dr. Campos já não pertencia ao mundo dos vivos), com o título: "Early Portugueses Accounts of Thailand". Não chegamos a saber se de facto o historiador foi lá recolher imagens, aos canhões portugueses, porque nunca encontramos outros documentos, a não ser este, cuja imagem está aposta. Depois de obtida a autorização, que me foi dada verbalmente, pelo telefone, pela secretária, Pralom, do embaixador Faria e Maya, à hora certa, numa manhã, estava no local, acompanhado de minha mulher Kanda, para vencer a barreira de língua, caso fosse necessário. Fomos excelentemente recebidos, por dois oficiais do exército tailandês, uma senhora e um senhor e ainda um jovem, da casa dos vinte e poucos anos, de nome Silirat Wong Par, com uma máquina fotográfica pendurada ao ombro que me viria oferecer um excelente livro, que descreve a história da artilharia desde os primórdios que foi introduzida no Reino do Sião. O pai de Silirat Wong Par, médico de profissão, é um daqueles doentes, apaixonados pela artilharia. Edição de luxo, fotografias de excelente qualidade, 304 páginas e editados, em língua, tailandesa, apenas 3.500 exemplares. Livros foram distribuídos, por instituições, tailandesas, de educação e para assim a história da artilharia se mantenha viva na Tailândia. Pena, seja, que este excelente livro não seja traduzido para a língua inglesa (já que mais não fosse), reeditado, porque seria uma obra meritosa. Fotografei todas as peças, sem qualquer restrição, expostas naquele jardim de cuidado esmerado, só foi pena que aquela manhã, surgisse sem sol, que melhor teriam ficado as imagens obtidas. O livro, mesmo escrito na língua tailandesa, diz-me muito e a oportunidade de entendermos os princípios do uso da artilharia no antigo Reino do Sião. Os siameses eram pessoas de uma imaginação fértil e depois de terem conhecido os princípios da artilharia há que inventar sistemas para a fazer operar e usá-la. Vamos assim encontrar peças de fogo ligeiro, montadas no dorso de elefantes, com dois artilheiros e o homem que dirigia a besta de guerra. Imagem ao lado inserida, retirada de um mural, algures pintada na parede de um templo, onde os artista de uma época, exprimiam a vida do povo siamês. Os siameses, usam a artilharia, conforme as circunstâncias que de momento se lhes depara para se defenderem contra o seu inimigo, tradicional, do Reino do Pegu. Não basta só as peças de artilharia colocadas em cima do dorso de elefantes, mas os siamesa aplicam-nas em termos manuais. Eles aprenderam a arte de fundição, do ferro coado e do bronze com portugueses, em Ayuthaya. A soberania do território terá que ser preservada e a vida dos reis também. Porém, os siameses poderão ter os seus embates, políticos, internos, mas quando a soberania territorial está em perigo, esquecem as divergências, internas e apenas existe o sentido de defender a nação. Terminei, por agora, a "A rota dos canhões", que a iniciei a partir do fundidor Manuel Tavares Bocarro até à artilharia no Reino do Sião, introduzida pelos portugueses. Não sou técnico sobre a matéria de canhões, mas produzi um trabalho de reportagem que pode ser últil para os novos historiadores. Foram 21 partes, muitas horas de sono perdidas e investigação procurada, que graças ao meu arquivo, pessoal (franqueado a todos) e trabalho de 25 anos, foram conseguidas as fotografias que ilustraram mais de 500 páginas.
José Martins

NA ROTA DOS CANHÕES 1a. Parte

Wednesday, July 02, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL TAVARES BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

Parte 1
Manuel Tavares Bocarro o maior artesão, português, na arte de fundição de bocas de fogo, foi o grande ignorado. Poucos portugueses conhecem a história de sua vida. Manuel Bocarro de descendência judaica, por via disto, o seu nome e sua arte de fundidor foi-lhe sendo negada, ao longo de sua vida, a divulgação a que isto se ficou a dever à forte influência da igreja, no sistema, governativo, da corte portuguesa. Suas bocas de fogo, não só equiparam as ameias de fortes em toda Ásia, transportadas para Portugal e outras, para sempre, na base do mar devido aos naufrágios. Temos, há mais de 20 anos, na nossa biblioteca particular a única obra que conhecemos "Manuel Bocarro o Grande Fundidor" de autoria de N. Valdevez - Publicações da Comissão de História Militar- Lisboa MCMLXXXI, que apenas lhe tinhamos passado uma vista de olhos. Como nos propusemos fazer um pequeno trabalho, sobre os canhões, armas e ameias portuguesas na Tailândia esta obra é de primordial importância que muito me irá auxiliar. Entretanto procuramos na Internet e poucas referências encontramos sobre Manuel Tavares Bocarro a não ser algo que eu teria, escrito e feito circular neste blogue e no nosso website http://www.aquimaria.com/. Manuel Bocarro, sem haver a certeza, o seu bisavô materno, teria sido Estevâo Bocarro, cujo seu nome aparece na obra "Ásia Portuguesa", de Manuel Faria e Sousa, página 185, XXIV: - "Porque deu uma sentença contra Estêvão Bocarro, e logo a revogou"? Num processo em que teria sido acusado, de culpas, cujo o arguído, era o Governador da Índia, Lopo Vaz de Sampaio (1526-1529). Pesavam sobre o Lopo Vaz, pesadas culpas: "não autorizar Afonso Mexia entrasse em Cochim e acabou por o prender; ter aceite um valioso presente do muçulmano Raez Xarafo; não ter feito justiça a dois judeus e entre outras, graves acusações, incluiam-se actos de corrupção e a venda de uma nau em Ormuz e escondeu, a quem de direito, a transação." O Lopo Vaz, um heroi nos mares da Índia, expediu armadas para muitos lugares, conquistou Tidore, Mangalore e Bombaim. Os seus feitos levou-o a seguir maus caminhos. O Governador Nuno da Cunha, prendeu-o em Goa e enviou-o, a ferros, para Lisboa onde acabaria de vir a sofrer as maiores humilhações e torturas. Em sua defesa, perante o Rei afirmou-lhe: " No processo de culpar-me e ouvir-me se hão violado as vossas justíssimas leis que até alteração nelas se inovou para perseguir-me e molestar-me" (Ferreira Martins in: Crónica dos Vice-Reis e Governadores da Índia, p.284, A única carta que se tem conhecimento (e que vamos transcrever quando terminarmos este trabalho), escrita por Manuel Tavares Bocarro diz ser "filho de pais e avós honrados e que, entre os da sua geração, não faltavam fidalgos". Seu avô paterno, o fundidor Francisco Dias, o irmão de João Dias, o tio Baltazar Gomes e António Gomes Feo, todos fundidores de artilharia. Francisco Dias partira para a Índia em meados do século XVI, como carpinteiro das naus. Porém, pouco tempo depois, seria colocado nas fundições da Ribeira de Goa e em 1560 era já mestre. Viria, segundo se aventa, a casar com uma filha de Estevão Bocarro e julga-se que o casal teria tido três filhas, Domingas, Helena e Inês e três filhos; Pedro - que talvez fosse o primogénito - Simão e Francisco. Todos são referidos, em documentação, do século XVI, com o apelido Bocarro. Acontece, porém, que a carta régia de 14 de Abril de 1626 é de acreditar quando designa que Francisco Dias Bocarro era filho de Pedro Dias Bocarro e, assim, neto de Francisco Dias. Uma carta régia com a data de 1587, enviada para Goa, informava, o Rei, que dado o Francisco Dias estar enfermo e cansado, dois fundidores seriam despachados de Portugal para Goa com a finalidade de o substituir. Entretanto o governador D. Duarte de Meneses, entendeu, pelo melhor que o lugar do velho fundidor Francisco Dias, fosse tomado pelo seu filho Pedro Dias Bocarro. A sua nomeação, como mestre da fundição de artilharia do Estado da Índia, teria sido por alturas de 1588. Cargo depois confirmado pelo Rei Filipe I, em carta régia de 12 de Outubro de 1599. Pedro Dias Bocarro, seria pouco depois da sua nomeação, enviado para Chaul com a finalidade de restaurar e desenvolver as fundições de artilharia, ali estabelecidas. Um documento datado em 1633, as fundições estariam sob o cargo dos missionários Jesuítas da Companhia de Jesus. O único canhão, conhecido e fundido por Pedro Dias Bocarro nas fundições de Chaul, tem a data de 1594 e uma peça, portuguesa, das mais bonitas, naquela época. Ficou conhecido pelo "Canhão de Chaul" e mais tarde, em 1843, foi "pilhado" pelos ingleses em Hyderable, levado para a Inglaterra, exposto na "Torre de Londres" e exibido como um magnífico troféu de guerra. Depois da fundição do "Canhão de Chaul", Pedro Dias Bocarro voltou para Goa. Certamente o seu regresso se deve ao facto de ser casado e não desejar manter-se afastado da mulher. Aventa-se que o apelido Tavares, genéricamente, pertencia a Belchior de Sousa Tavares, um homem de feitos e capitão-mor do mar de Ormuz, ou então, segundo Germano Correia, " História da Colonização Portuguesa na Índia" Agência Geral do Ultramar - Lisboa MCMLI, na pag. 467 refere: "FAMÍLIA GOUVEIA TAVARES - Francisco Tavares e D. Merciana de Gouveia eram cônjugues que constituiam este nobre casal metropolitano, que, em data incerta, se expatriou para o Oriente", Germano Correio extraiu esta informação do Livro-alardo nº1,fl. 179 - Arsenal de Goa. Manuel Tavares Bocarro o filho primogénito do casal Tavares-Bocarro e neto do velho mestre fundidor, Francisco Dias, será o continuador de uma família de artesões na arte de fundir bocas de fogo. Em Goa, seu pai, Pedro Dias Bocarro fundiu seis peças de grande cumprimento e corpo grosso, mas não lhe teriam dado grandes lucros. Numa carta, dirigida ao Rei informáva-o: "com vontade e diligência, acabava por pedir uma mercê, por sua muita pobreza". Ora o Manuel Tavares Bocarro aprende a arte e o segredo de bem fundir canhões ao lado seu pai, Pedro Dias Bocarro, que executava as mais belas peças de artilharia. Uma das magnificas obras foi uma colubrina em 1595, onde tinha estampada a imagem de Santa Catarina, movimenta-se, entre duas rodas de navalhas. Relatos da época, era dada como um canhão de rara perfeição. Seria por isso que a peça de fogo, de grosso calibre, foi conservada por três séculos e meio. O Governador da Índia (1841) José Joaquim Lopes Lima, para compensar o défice existente no cofre de Goa, ordenou que fosse derretida e cunhada moeda. Outros canhões e sinos fundiu Pedro Bocarro, em Goa, mas depois do "Canhão de Chaul", mais três colubrinas, dos anos de 1622 e 1623, encontram-se no Castelo de S. Jorge, no Brasil e no Museu Militar de Lisboa; três sinos: um na torre da Igreja de Ternate, outro o "Sino da Dignidade", na Sé Catedral de Goa e ainda mais outro na Igreja de S.Pedro, em Malaca (fundições de 1603,1605 e 1608). Em finais do século XIX, o major Perry da Câmara, num artigo intitulado: "Distrito de Cabo Delgado" (Moçambique), publicado no Bol. da Soc. de Geografia de Lisboa, pag. 77 (1886), havia na Ilha de Zanzibar, oito peças portuguesas, e duas deveriam ter saído da fundição de Pedro Bocarro. No princípio do século XX, viajantes portugueses que visitaram aquela ilha, teriam observado, três peças de artilharia com inscrições portuguesas que tinham sido fundidas em ferro, porque se fossem em bronze, de certo que não estariam por ali abandonadas. Nos anos de 1980, o autor deste artigo, encontrou num forte, em Baticoloa, na parte central/Este de Ceilão (Sri Lanka), diversas bocas de grosso calibre, em ferro, junto à enbocadura de um rio que defendia a intrusão do inimigo pelo mar. Porém, na altura, ainda não tinha a inclinação e paixão, que hoje temos, no estudo da história da expansão portuguesa na Ásia. Bem pena temos disso porque teríamos examinado essas peças, numa pequena terra, Baticoloa, onde a passagem dos portugueses estava bem arreigada e até, com o orgulho, passado de várias gerações, entre a população, de os portugueses terem passado pela ilha, onde várias palavras portuguesas estavam adiccionadas à língua local.
Continua este trabalho que será longo em artigos seguintes.

Obs. Só é possível levar-se a cabo um trabalho deste, através de muita informação recolhida e até, muitas vezes, temos que recorrer a certos "plágios", inocentes, que cozinhamos à nossa maneira. Penso que a informação que vou recolhendo, os autores (honra a eles mesmo mortos), já não pertencem ao número dos vivos. O meu objectivo é apenas que os meus fracos relatos, venham a contribuir para avivar a memória dos portugueses, de agora, que os do passado foram Homens de valor na Ásia e Oriente depois de 1498 e de quando Vasco da Gama, chegou à Índia, pela rota do Cabo da Boa Esperança. Pobre Povo, de uma nação, que ignora a história dos seus Homens. Todas as sociedades com o correr do séculos se vão deteriorando. A portuguesa é um facto! Principiou a decair (somos democrata e respeito pela liberdade) desde o dia 25 de Abril de 1974. Os grandes impérios também cairam: "os do Incas, dos Índios das Américas, o dos Romanos e o dos Otomanos. Mas o pequenino império, Portugal, que foi enorme será necessário que não "tombe" a história e por isso aqui estamos...
José Martins
Imagens: Extraídas com a devida vénia: "História das Fortificações Portuguesas no Mundo" Edição Publicações ALFA e Vice-Reis e Governadores da Índia Portuguesa - Francisco Xavier Valeriano de Sá - Editado em Macau "Por ocasião das Comomerações do V Centenário da Chegada à Índia da Armada de Vasco da Gama.

NA ROTA DOS CANHÕES 2a. Parte

Monday, July 07, 2008

NA ROTA DOS CANHÕES - MANUEL BOCARRO - O GRANDE FUNDIDOR

PARTE 2ª
A evolução da fundição de artilharia de bronze, em quantidades industriais, em Portugal, deveria ter início na década de setenta do século XV. Entretanto são conhecidas peças fundidas nos primeiros anos deste século, apresentando-se com grande perfeição que não são inferiores às peças importadas do estrangeiro. Surge em Portugal uma nova era e classes de artesões,na arte de fundição com as suas ofícinas próprias. Em 1572 os fundidores principiam a ser regidos por um instrumento próprio.
"Hoje, aos comtemplarmos os canhões em exposição no Museu Militar de Lisboa, no Museu da Marinha ou os que se amontoam em pequenos museus e velhas fortalezas ou, ainda, os que embelezam jardins e lugares públicos, não podemos deixar de manifestar o nosso espanto a uma muito admiração perante a beleza e esmerada técnica com que foram feitos" (N. Valdez dos Santos - Manuel Bocarro o Grande Fundidor, pag 13)
Distinguem-se na época os mestres na arte da fundição: Diogo Garcia, Anes Fernandes, Pero Figueira e outros nomes. Com o correr do tempo, ficaram no esquecimento. Indústrias famíliares que passam de pais para filhos, onde, com especial, destaque para as dos Dias, dos Álvares, dos Anes, dos Gomes e dos Bocarros se firmam nesta arte. Fundem por cerca de um século "formosas" peças em bronze: o Tigre, o Dragão, o Selvagem e outras mais. A fundição de canhões em Portugal começa a ganhar as suas próprias raízes e está consolidada. Mas, bruscamente, todas as fundições deixam de operar. Era o protesto, dos fundidores; o seu orgulho nacional e das populações se encontrar ferido pela usurpação da coroa portuguesa pelos espanhois. Eles tinham contribuído, em muito, para as vitórias de Portugal no norte de África, costas do Atlântico do Índico e Ásia. Portugal atravessava a era de ouro e de abundância. São passados oitenta anos depois da descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, Portugal gozava de prestígio, impar, na Europa, mas a morte de D. Sebastião, na Batalha de Alcácer Kibir, a traição do Cardeal D. Henrique, doar a coroa portuguesa à espanhola, viria a criar feridas profundas e o desânimo na sociedade portuguesa. O sentimento estende-se aos fundidores, metropolitanos e como forma de protesto e humilhados com a perda da soberania, em 1580, paralizam as suas fundições. Acontece o primeiro protesto da população de Lisboa que teve lugar em Alcântara e viria a ser abortado o que nos leva a crer pelas autoridades, portuguesa, já subjugadas à corte de Filipe I. O povo não aceitava estar sob, os destinos, da coroa espanhola, pelo motivo de ver os seus navios, as armaduras, os canhões e mais apetrechos usados nas guerras, pelos soldados portugueses, levados para Espanha. Os portugueses construiram as suas naus, fabricaram as armas; fundiram os seus canhões e reagiram à espoliação, infame de Espanha. Não desejavam, os portugueses, colocarem-se ao lado do invasor continuando a produzir material de guerra já que este viria a ser, depois, usado contra a eles próprios. O desinteresse está absolutamente generalizado e o patriotismo (enorme) que seguia dentro da alma portugesa não lhes permitia manter as forjas, malhar o ferro, acender os fornos de fundição e produzir bocas de fogo. Preferiam sofrer a precaridade do viver do que aliaram-se aos espanhois. Entram então em acção os reis espanhois e obriga os fundidores voltar às oficinas. A primeira ordem teria sido 11 anos depois da ocupação, seguindo-se outras em 1594 e 1604. Anos depois, Filipe II lamentava-se: "que antes em Lisboa, das muitas casas de fundição e de muitos fundidores existentes, só havia cinco e um, só, se encontrava em actividade e com a mínima produção". N.Valdez dos Santos: "Quem hoje contempla, no Museu Militar de Lisboa, um canhão de Pero Figueira, fundido em 1578, com toda a sua suficiência e habilidade em 1578, cheio de arte e de técnica e, depois, se se recordar dos dois pequenos canhões que estavam no Museu de Angola, feitos por ordem do rei de Espanha e com a obrigação, jurada aos "santos evangelhos que bem e verdadeiramente" serviria a fundição, poderá avaliar toda a tragédia dos fundidores portugueses. A arte, ao aformoseamento e à radiosa esperança do primeiro canhão de Pero Figueira, opõe-se uma menor perfeição dos segundos onde laconicamente, o fundidor se limitou a gravar, sobe o escudo real português, suportado por três anjos de asas protectoras, a simples legenda: PHILIPVS REX ESPANIARVM e o seu nome seguido da palavra LVZITANVS, simbolizando bem o espiríto português perante a ocupação filipina"
A resistência, passiva, portuguesa está generalizada e não pretende fundir canhões que com isto iria aumentar o poderio militar espanhol e a repressão. Esta iria manter-se por vários anos. Porém os reis de Espanha não desarmam, emitem ordens taxativas, criam medidas de protecção aos fundidores, concedendo-lhes várias regalias e despacham para Lisboa os seus melhores artistas de fundição de Espanha: João Vautrier, Fernando Ballesteros e Matias Escortim, sem contudo os mestres espanhois, mesmo com privilégios e o envio de mestres espanhois a fundição de canhões em Lisboa não foi reavivada. De um a um os fundidores portugueses foram desaparecendo. Arte e a experiência de mais de um século foi-se igualmente. Nas terras que Portugal se foi fixando com fortes e feitorias a coisa já não se passava como em Lisboa as fundições mantinham-se a laborar e a produzir, em menos escala, bocas de fogo para se defenderem contra os turcos, holandeses, ingleses.
O rei de Espanha não desarma e, também, não está no seu pensamento usar a violência em obrigar os fundidores e fabricantes da espingardia à força. As cartas de Madrid era um constante para o Terreiro do Paço com os pedido de incrementação de material bélico e âncoras. São decretadas ordens para o justo pagamento do material fabricado e concedendo regalias aos fundidores. A produção em Goa, como em Lisboa, tinha entrado em decadência. O Mestre da Fundição Real, Pedro Dias Bocarro, mesmo sob o desânimo ainda fundiu um número de peças superior a um milhar. Uma nova era na arte de fundir canhões instala-se em Goa e em meados do século XVII e durante a administração do conde de Linhares foram fundidas 106 bocas de fogo, 8 sinos - estes destinados às fortalezas . Dois anos depois do governo de Pedro da Silva, 1636 e 1637, são fundidas 101 peças, mais dois morteiros para a "Casa da Pólvora". Estão com isto a produzir uma média de 25 canhões que durante ao longo de sessenta anos de trabalho de Pedro Dias Bocarro, fundiu mais de um milhar de bocas de fogo e dezenas de sinos.
CONTINUA...
Nota do autor: Justiça a quem deve ser dada! Não me seria possível levar em frente este, modesto, trabalho se não tivesse reunido informação ao longo de 26 anos. Guardei tudo desde a recortes de jornais, monografias e o demais que designava a história de Portugal na Tailândia e da expansão. Mendiguei livros a Macau e graciosamente sempre me esmolaram. Atravessei a era de ouro do Instituto de Macau que foi de grande sucesso durante a presidência do meu amigo Dr. Jorge Morbey. Outros presidentes se seguiram continuei a ser contemplado com revistas de cultura e muitos livros. Fui prendado igualmente pela Fundação Oriente e pela mão do presidente Dr. Carlos Monjardino que pessoalmente viria a conhecer, em Banguecoque, lhe servi de cicerone em Ayuthaya e levei-o ao "Ban Portuguet". Continuei a ser brindado pelas publicações de grande valor histórico e obras de luxo editadas pela "Comissão Territorial para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses" do Governo de Macau. Para esta parte (2ª), aqui ficam os meus agradecimentos ao Sr. Francisco Xavier, natural de Diu, pela sua excelente obra: "Vice-Reis e Governadores da Índia Portugesa" - Imprensa Oficial de Macau e patrocinada pelo Governo do General Rocha Vieira. Nos dias que correm, a história de Portugal na Ásia é uma doente, em coma, prestes a partir para sempre. Bem necessitava que alguma coisa fosse feita para que fosse reavivada.
José Martins