O "Dove World Outreach Center" é um grupo fundamentalista cristão baseado na Florida, que conta com cerca de 50 membros e é chefiado pelo pastor Terry Jones. Definindo-se como uma "igreja independente e do Novo Testamento" manifesta-se decidido a queimar em público um ou mais exemplares do livro sagrado dos muçulmanos no próximo sábado em Gainesville, para assinalar o nono aniversário dos ataques terroristas do 11 de Setembro.
A iniciativa foi baptizada de "Dia internacional de queima do Corão e, segundo a igreja, destina-se a recordar as vítimas dos atentados. O momento escolhido é particularmente sensível: coincide mais ou menos com o final do Ramadão, que os muçulmanos de todo o mundo celebram por volta do 10 de Setembro.
Logo que foi conhecido, o plano provocou alarme nos meios militares norte-americanos. No Afeganistão o comandante da missão de treino da NATO, general William Caldwell, e o comandante supremo das tropas, General David Petraeus, avisaram que a acção iria pôr em perigo as vidas dos seus militares e aumentar o sentimento anti-americano dos muçulmanos não só no Afeganistão mas em todo o mundo.
Petraeus disse mesmo que é precisamente este o tipo de acções que os Talibã e outros radicais islâmicos aproveitam para inflamar os ânimos e atrair pessoas à sua causa.
Plano inquieta Casa Branca
Às preocupações dos Generais, secundadas pela embaixada dos Estados Unidos em Cabul, vieram depois somar-se as da Casa Branca, que classificou o projecto dos fundamentalistas como "uma fonte de inquietação" que "coloca as nossas tropas em risco".
Também uma associação de veteranos americanos, a "Veterans of Foreign Wars", denunciou o projecto dizendo que "não há nada a ganhar e tudo a perder com este gesto egoísta", e atribuindo-o à "obra de extremistas religiosos".
O procurador-geral dos EUA, recebeu terça-feira 16 associações religiosas de várias crenças, para examinar as medidas que se podem tomar contra os ataques anti-muçulmanos. Eric Holder disse na ocasião que o acto de queimar o Corão seria "idiota e perigoso".
Desenho copilado do Jornal The Nation - Bangkok
Num jantar de ruptura do jejum do Ramadão (iftar), organizado no Departamento de Estado, a chefe da diplomacia americana, Hillary Clinton referiu-se à questão:
"Estou encorajada pela condenação clara e inequívoca deste resto de desrespeito, que tem sido feita pelos chefes americanos de todas as religiões (...) bem como por dirigentes americanos laicos e líderes de opinião", disse a secretária de estado dos EUA.
Condenações estendem-se ao estrangeiro
No estrangeiro a iniciativa da igreja da Florida foi criticada pelo secretário-geral da NATO. Anders Fogh Rasmussen disse que este acto "arrisca-se a ter consequências nefastas sobre a segurança das nossas tropas.Por seu lado a chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, expressou oposição ao projectado "auto de fé", afirmando respeitar "todas a crenças religiosas".
O jornal oficial do Vaticano, "Osservatore Romano" publicou um editorial sob o título "Que ninguém queime o Corão", em que se faz eco das múltiplas condenações.
Num comunicado, o Conselho Pontifical do Vaticano para o Dialogo Inter-religioso disse que a queima do Corão seria "um gesto de grave ofensa para com um livro considerado como sagrado por uma comunidade religiosa".
Já o Irão aconselhou "aos países ocidentais que impeçam a exploração da liberdade de expressão para insultar os livros santos " sob pena de provocar reacções "incontroláveis".
Na Indonésia, o país muçulmano mais populoso do mundo, centenas de islamitas radicais manifestaram-se em Jakarta, ameaçando lançar uma "guerra santa" se a igreja de Gainesville levar por diante a queima do Corão.
A minoria cristã que vive no país manifesta-se receosa com o aumento das "tensões" e a união das 20.000 igrejas cristãs protestantes da Indonésia escreveu a Barack Obama, pedindo ao Presidente dos EUA para intervir.
Igreja da Flórida diz que responde a um apelo divino
Confrontado com a avalancha de críticas o pastor Terry Jones, garantiu à CNN que estavam a ser "tomadas muito a sério", mas que o seu grupo estava "firmemente decidido a levar por diante o projecto.
"Compreendemos que este gesto pode de facto ofender (...) os muçulmanos" disse o pastor "mas consideramos que a mensagem que tentamos fazer passar é bem mais importante do que o facto de haver gente que fique ofendida. Acreditamos que não se pode recuar perante os perigos do Islão", disse Terry Jones, cujas posições públicas incluem também a condenação de homossexuais e judeus e afirmações de que Barack Obama "só foi eleito para a presidência dos EUA por ser negro".
As afirmações deste antigo gerente de hotel que em 2001 tomou a direcção do "Dove World outreach center" são secundadas Wayne Sapp, o pastor adjunto, que, de pistola á cintura, admite já ter recebido várias ameaças de morte desde que o anunciado "auto de fé" foi anunciado.
"Acreditamos firmemente que é Deus que nos apela a fazê-lo" disse Sapp, que acrescentou que apesar da comoção no mundo inteiro a sua igreja evangélica vai queimar, como previsto, os exemplares do Corão.
Autoridades só podem multar.
Para já a igreja de Terry Jones viu recusada por parte dos bombeiros locais o pedido para proceder à queima ao ar livre dos exemplares do Corão. A polícia de Gainesville manifesta-se preocupada com a situação, mas diz que só poderá intervir depois de os livros serem incendiados e mesmo nesse caso, apenas para passar uma multa".
Na zona os líderes de outras igrejas e religiões associam-se ao coro de condenações: O reverendo Larry Reimer, da Igreja Unida de Gainesville garante que Jones e os seus fieis não representam ninguém "senão eles mesmos" e sublinha:"na semana passada só tiveram 30 pessoas no serviço religioso".
Fonte - RTP