A Proclamação da República Portuguesa foi o resultado da Revolução de 5 de Outubro de 1910 que naquela data pôs termo à monarquia em Portugal.
A revolta
A 5 de Outubro de 1910 estalou a revolta republicana que já se avizinhava no contexto da instabilidade política. Embora muitos envolvidos se tenham esquivado à participação — chegando mesmo a parecer que a revolta tinha falhado — esta acabou por suceder graças à incapacidade de resposta do Governo, que não conseguiu reunir tropas que dominassem os cerca de duzentos revolucionários que na Rotunda resistiam de armas na mão.
Dia 4 de Outubro, movimentos dos revolucionários
No verão de 1910 Lisboa fervilhava de boatos e várias vezes foi o Presidente do Conselho de Ministros (o Primeiro Ministro) Teixeira de Sousa, avisado de golpes eminentes. A revolução não foi excepção: o golpe era esperado pelo governo, que a 3 de Outubro deu ordem para que todas as tropas da guarnição da cidade ficassem de prevenção. Após o jantar oferecido em honra de D. Manuel II pelo presidente brasileiro Hermes da Fonseca, então em visita de estado a Portugal, o monarca recolheu-se ao Paço das Necessidades enquanto seu tio e herdeiro jurado da coroa, o infante D. Afonso, seguia para a Cidadela de Cascais, pois o perigo eminente não aconselhava que estivessem os dois na mesma localização.
Os chefes republicanos reuniram-se de urgência na noite de dia 3. Alguns oficiais foram contra, dada a prevenção das forças militares, mas o Almirante Cândido dos Reis insistiu para que se continuasse, sendo-lhe atribuída a frase: “A Revolução não será adiada: sigam-me, se quiserem. Havendo um só que cumpra o seu dever, esse único serei eu.” .”Machado dos Santos já havia passado à acção e nem esteve na reunião. Este dirigiu-se ao aquartelamento do Regimento de Infantaria 16, onde um cabo revolucionário provocara o levantamento da maior parte da guarnição: um comandante e um capitão que se tentaram opôr foram mortos a tiro. Entrando no quartel com umas dezenas de carbonários, o comissário naval seguiu depois com cerca de 100 praças para o regimento de Artilharia 1, onde o capitão Afonso Palla e alguns sargentos, introduzindo alguns civis no quartel, já haviam tomado a secretaria, prendendo os oficiais que se recusaram a aderir. Com a chegada de Machado Santos formaram-se duas colunas, que ficaram sob o comando dos capitães Sá Cardoso e Palla. O primeiro marchou de encontro aos regimentos Infantaria 2 e Caçadores 2, que deviam também estar sublevados, para seguir para Alcântara onde deveriam apoiar o quartel de marinheiros. No caminho, cruzou-se com um destacamento da Guarda municipal pelo que procuraram outro caminho. Depois de alguns confrontos com a polícia e civis a coluna encontrou-se com a coluna comandada por Palla e avançaram para a Rotunda, onde se entrincheiraram cerca das 5 horas da manhã. Compunha-se a força aí estacionada de 200 a 300 praças do Regimento de Artilharia 1, 50 a 60 praças de Infantaria 16 e cerca de 200 populares. Os capitães Sá Cardoso e Palla e o comissário naval Machado dos Santos, estavam entre os 9 oficiais no comando.
Dia 5 de Outubro, a inesperada resolução
À noite o moral encontrava-se baixo entre as tropas monárquicas estacionadas no Rossio, devido ao perigo constante de serem bombardeadas pelas forças navais e nem as baterias de Couceiro, aí colocadas estrategicamente, traziam conforto. No quartel general discutia-se a melhor posição para bombardear a Rotunda. Às três da manhã Paiva Couceiro partiu com a Bateria Móvel, escoltado por um esquadrão da Guarda Municipal, e instalou-se no Jardim de Castro Guimarães, no Tourel, aguardando a madrugada. Quando as forças da Rotunda começaram a disparar sobre o Rossio, revelando a sua posição, Paiva Couceiro abriu fogo provocando baixas e semeando a confusão entre os revoltosos. O bombardeamento prosseguiu com vantagem para os monárquicos, mas às oito da manhã Paiva Couceiro recebeu ordem para cessar fogo pois iria haver um armistício de uma hora.
Entretanto no Rossio, depois de Paiva Couceiro ter saído com a Bateria, o moral das tropas monárquicas, que se julgavam desamparadas, piorou devido às ameaças de bombardeamento por parte das forças navais. Infantaria 5 e alguns elementos de Caçadores 5 garantiram que não se oporiam ao desembarque de marinheiros. Face a esta confraternização com o inimigo os comandantes destas formações dirigiram-se então ao quartel general onde foram surpreendidos pela notícia do armistício.
O novo representante alemão, chegado na antevéspera, instalara-se no Avenida Palace, lugar de residência de muitos outros estrangeiros. A proximidade do edifício da zona dos combates não o poupou a estragos. Perante este perigo o diplomata tomou a resolução de intervir. Dirigiu-se ao quartel general e pediu ao general Gorjão Henriques um cessar fogo que lhe permitisse evacuar os cidadãos estrangeiros. Sem comunicar ao governo e talvez na esperança de ganhar tempo para a chegada dos reforços da província, o general acede.
O diplomata alemão, acompanhado de um ordenança com a bandeira branca, dirige-se à Rotunda para acertar o armistício com os revoltosos. Mas eis que estes, vendo a bandeira branca, julgaram que a força opositora se rendia, pelo que saem entusiasticamente das fileiras e juntam-se ao povo, que sai das ruas laterais e se junta numa grande aglomeração gritando “vivas” à República. Na Rotunda Machado Santos a principio não aceita o armistício, mas perante os protestos do diplomata acede. De seguida e vendo o maciço apoio popular à revolta nas ruas, temerariamente dirige-se ao quartel general, acompanhado de muitos populares (aos quais se haveriam de juntar os oficiais que abandonaram as posições na Rotunda). A situação no Rossio, com a saída dos populares à rua era muito confusa, mas favorável aos republicanos dado o evidente apoio popular. Machado Santos confronta o general Gorjão Henriques com o facto consumado e convida-o a manter-se no comando da divisão mas este recusa. Machado Santos entrega assim o comando ao general António Carvalhal que sabia ser republicano. Pouco depois era proclamada a República por José Relvas, na varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa, após o que foi nomeado um Governo Provisório, presidido por membros do partido Republicano, com o fito de governar a Nação até que fosse aprovada uma nova Lei Fundamental.
Em Mafra, de manhã, o Rei procurava um modo de chegar ao Porto, acção muito difícil de levar a cabo por terra dada a quase inexistência de uma escolta e os inúmeros núcleos de revolucionários espalhados pelo país. Cerca do meio-dia era entregue ao presidente da câmara de Mafra a comunicação do novo governador civil, ordenando que se alvorasse a bandeira republicana. Pouco depois o comandante da escola Prática de Infantaria recebe também um telegrama do seu novo comandante informando-o da nova situação política. A posição da família Real tornava-se precária.
A solução aparece quando chega a notícia de que o iate real “Amélia” fundeara ali perto na Ericeira. Às duas da manhã o iate havia recolhido da cidadela de Cascais o tio e herdeiro do Rei, D. Afonso, e sabendo o Rei em Mafra, havia rumado à Ericeira por ser o âncoradouro mais próximo. Tendo a confirmação da proclamação da República e o perigo próximo da sua prisão, D. Manuel II decide embarcar com vista a dirigir-se ao Porto. A família real e alguns acompanhantes dirigiram-se à Ericeira de onde, por meio de dois barcos de pesca e perante os olhares curiosos dos populares embarcaram no iate real. Uma vez a bordo o rei escreveu ao primeiro-ministro: “ Meu caro Teixeira de Sousa. – Forçado pelas circunstâncias vejo-me obrigado a embarcar no yatch real “Amélia”. Sou português e sê-lo-ei sempre. Tenho a convicção de ter sempre cumprido o meu dever de Rei em todas as circunstâncias e de ter posto o meu coração e a minha vida ao serviço do meu País. Espero que ele, convicto dos meus direitos e da minha dedicação, o saberá reconhecer! Viva Portugal! Dê a esta carta a publicidade que puder. Sempre mº afectuosamente – Manuel R. – yatch real “Amélia” – 5 de Outubro de 1910.” Depois de garantir que a carta chegaria ao seu destino o rei fez saber que queria ir para o Porto. Reuniu-se um conselho com o soberano, os oficiais e parte da comitiva. O comandante João Agnelo Velez Caldeira Castelo Branco e o imediato João Jorge Moreira de Sá opuseram-se à opinião do soberano, alegando que se o Porto não os recebesse o navio difícilmente teria combustível para chegar a outro âncoradouro. Perante a insistência de D. Manuel II o imediato argumentou que levavam a bordo toda a família real pelo que era o seu primeiro dever salvar essas vidas. O porto de destino escolhido foi Gibraltar, de onde o rei ordenou que o navio, por ser propriedade do estado português, voltasse a Lisboa. D Manuel II no entanto viveria o resto dos seus dias no exílio.
Balanço
Assim, num confronto cheio de indecisões, desencontros e hesitações em ambos os lados, se pôs termo ao regime monárquico parlamentar em Portugal, um evento por alguns historiadores considerado como o primeiro sinal do desmoronar da tradicional ordem Europeia, que viria a soçobrar completamente alguns anos mais tarde com o desfecho da Primeira Guerra Mundial. A República que emergiu desta revolução pouco mais anos duraria depois dessa derrocada, minada pelas características que originalmente lhe permitiram a sua rápida propagação pela opinião pública e que agora se revelavam como defeitos: o anticlericalismo militante e a falta de um programa social e sindical viraram contra ela ao mesmo tempo os sectores mais conservadores e os mais radicais: a panaceia messiânica não resolveu os problemas e mostrou ser ainda mais instável do que a monarquia nos seus últimos anos.
Embora ao desgaste, inércia e incompetência dos partidos tradicionais caiba grande parte da culpa pelo desgaste da monarquia, o Partido Republicano estava lá, sempre se recusando a colaborar ao mesmo tempo que sabotava o regime por dentro, acabando por derrubá-lo pela força. Inversamente, e apesar das incursões monárquicas, foi a república que acabou por se derrubar a si mesma.
Fonte - Extractos da Enciclopédia livre