A 5ª cimeira do G20, que hoje principiou em Seul, é marcada por profundas divisões entre as principais economias do globo. Em causa estão os interesses opostos que separam os Estados Unidos, Europa e os países emergentes, apostados, cada um deles, em defender os seus interesses de curto prazo. Um dos pontos mais controversos é o da manipulação das respectivas moedas por parte dos Estados, que afecta a totalidade da economia mundial.
“Guerra das moedas” domina cimeira do G20
As discussões na reunião de Seul têm como objectivo definir estratégias e conjugar esforços para corrigir os grandes desequilíbrios económicos que resultaram da crise económica de 2008 e promover um desenvolvimento sustentável a nível mundial. Entre as questões mais espinhosas, contam-se, além dos valores cambiais, os desequilíbrios entre as balanças comerciais e a sempre presente ameaça do proteccionismo.
Planos americanos provocam críticas
Nas últimas semanas o compromisso entre os líderes do G20 tem vindo a parecer cada vez mais difícil, com os Estados Unidos apostados em obrigar a China a valorizar a sua moeda e os restantes países indignados com os planos da Reserva Federal norte-americana, que planeia injectar centenas de milhares de milhões de dólares “novos” na economia dos EUA o que para todos os efeitos irá desvalorizar o dólar.
A Reserva Federal, cujo papel equivale ao de um banco central, anunciou, na semana passada planos para comprar 600 mil milhões de dólares em Títulos de longo prazo do Tesouro Americano, para obrigar as taxas de juro a descerem e assim estimular o crédito e impulsionar a economia americana.
Numa carta aos líderes do G20, o Presidente Barack Obama defende a decisão, argumentando que os Estados Unidos não podem continuar a ser uma nação de grandes consumidores à custa de dinheiro emprestado e afirmando que os outros países também têm de contribuir para “consertar” a economia mundial.
“A coisa mais importante que os EUA podem fazer pelo mundo é crescerem, porque continuamos a ser o mercado maior do globo e um enorme motor para o crescimento dos outros países”, escreve Obama.
“A fundação para uma recuperação forte e duradoura (da economia) não vai materializar-se se os lares americanos deixarem de fazer poupanças e voltarem a uma politica de gastos baseada em empréstimos”, afirma.
"Guerra das moedas"
A mensagem é principalmente dirigida à China, cujo excedente comercial com os EUA é maior que o de qualquer outro parceiro comercial. Washington acusa Pequim de desvalorizar deliberadamente a sua moeda, o Yuan, para conferir às suas exportações uma vantagem injusta.
Mas outros membros do G20 acusam os EUA de estarem agora a fazer o mesmo que criticam aos chineses ao injectarem muitos milhões de dólares na economia, desvalorizando assim a moeda americana.
Os analistas estimam que a estratégia, conhecida por QE2 (Quantitative Easing), irá despoletar um influxo de dinheiro nos mercados financeiros dos países emergentes, por parte dos investidores em busca de juros mais altos.
Isto fará com que as moedas destes países se tornem mais fortes, o que por sua vez tornará as suas exportações mais caras. Embora um dólar mais “barato" possa estimular as exportações dos EUA, poderá também levar a uma “guerra de moedas”, com uma corrida em que cada país ou bloco tentará desvalorizar igualmente as suas moedas.
Numa conferência de imprensa, o ministro das Finanças do Brasil, Guido Mantega, criticou a decisão: “Já há crédito suficiente na economia americana e esse crédito não está indo para a produção. O consumidor e o investidor não estão tomando crédito”, disse.
Para Mantega, o único resultado dessa medida é a desvalorização da moeda americana para que os EUA tenham uma competitividade maior no comércio internacional. “Tanto é verdade que hoje nós estamos com um deficit comercial com os EUA. Isso nos afecta”, disse.
"Politica dos EUA está desorientada", diz ministro Alemão
O ministro alemão das finanças, Wolfgang Schäuble mostra-se ainda mais crítico.: “Com o devido respeito, a politica dos EUA está desorientada”, disse. Segundo o responsável pelas finanças germânicas a decisão mina completamente os esforços de Washigton e dos líderes europeus para convencer Pequim a valorizar a sua moeda.
Por seu lado, Li Daokui, um conselheiro do banco central da China diz que esta discussão é “a coisa mais contra-produtiva do mundo”, já que a valorização da moeda “não é nenhuma varinha mágica”. Este especialista diz que a polémica “é como os capitães de dois navios gigantescos perderem tempo precioso a discutir quais as melhores técnicas para mudar de rota e evitarem que os seus navios acabem por colidir”.
Divisões inevitáveis?
A questão da moeda está directamente ligada à dos desequilíbrios comerciais. Uma proposta dos EUA para limitar os excedentes e os défices a quatro por cento do produto interno bruto de cada país enfrenta a oposição da Alemanha, que é o segundo maior exportador do mundo a seguir à China.
“Alvos (como este) não são nem economicamente apropriados, nem apropriados numa perspectiva económica", disse hoje a chanceler alemã Angela Merkel. “O que é importante é que não recorramos a medidas proteccionistas” disse.
Por seu lado o primeiro-ministro britânico, David Cameron, que no mês passado anunciou drásticos cortes nas despesas do Estado, disse que as nações com grande défices orçamentais têm a responsabilidade de lidar com eles:
“A alternativa não é uma espécie de “terra das maravilhas de crescimento contínuo” disse Cameron, “a alternativa é os mercados a porem em causa a economia do país, as taxas de juro a subirem e os indicies de confiança a caírem, e a economia nacional a entrar na zona de perigo onde outros já se encontram” disse o primeiro-ministro britânico.
Os analistas afirmam que estas divisões no G20 são inevitáveis à medida que o mundo percorre, lentamente, o caminho da recuperação económica. Fazem notar que as reuniões do ano passado foram mais fáceis do que esta porque havia uma confluência de interesses para evitar uma catástrofe económica global.
Agora que o perigo parece evitado, cada país põe à frente os seus interesses próprios de curto prazo, que muito frequentemente, divergem entre si.
Fonte - RTP